O estudo, descrito como inédito, resultou da conclusão da tese de mestrado em Portugal da investigadora cabo-verdiana que analisou o produto final e o processo produtivo do vinho na aldeia de Chã das Caldeiras (que dá nome ao vinho), no único vulcão ativo de Cabo Verde — última erupção terminou em fevereiro de 2015 – e o ponto mais alto do arquipélago (2.829 metros de altitude).
“O estudo é importante por ser o primeiro do tipo realizado sobre o vinho Chã de Cabo Verde. De certa forma vai ajudar a promover este produto e abrir portas para outros estudos, talvez mais aprofundados, sobre este ou outros produtos de Cabo Verde”, disse Maria Teixeira, em declarações à Lusa.
Com o título “Avaliação da qualidade físico-química e microbiológica do vinho Chã de Cabo Verde”, a tese foi realizada nas universidades de Évora (Escola de Ciências Sociais) e do Algarve (Faculdade de Ciências e Tecnologias), no âmbito do mestrado em Gestão da Qualidade e Marketing Agroalimentar, e a defesa aconteceu no dia 26 de julho, por videoconferência, a partir da cidade da Praia.
“Depois de analisar todos os parâmetros, físico-químicos, microbiológicos e sensoriais, concluiu-se que o vinho Chã é de boa qualidade, devendo essa vantagem ser aproveitada para criação de estratégias para divulgar a marca, tanto a nível nacional, como internacional”, sublinhou a autora.
A investigação teve como objetivos específicos descrever o processo de fabrico do vinho, avaliar as condições de segurança e higiene e as caraterísticas físico-químicas e microbiológicas das amostras daquele vinho, conhecido internacionalmente.
O estudo “concluiu que o vinho Chã é de boa qualidade e que existem diferenças claras de acordo com o tipo de vinho em questão”. Os vinhos tintos “apresentam uma capacidade antioxidante superior aos vinhos rosés, que por sua vez apresentam uma atividade antioxidante superior aos vinhos brancos”.
Do ponto de vista microbiológico, todos os tipos de vinho Chã apresentaram resultados satisfatórios e “verificou-se que não houve desenvolvimento de qualquer microrganismo nos vinhos analisados”.
O estudo teve ainda uma componente de provas sensoriais e as amostras de vinho tinto, branco e rosé tiveram boa apreciação dos provadores.
A escolha do tema para o estudo foi feita antes do início da pandemia do novo coronavírus, que agravou as dificuldades e condicionou o processo de investigação.
A investigadora apontou ainda a demora por parte das instituições cabo-verdianas em fornecer dados para a investigação e o número muito reduzido de trabalhos científicos nesta área, em Cabo Verde.
Face à qualidade reconhecida neste estudo, Maria Teixeira considerou ser importante encontrar formas de reforçar a divulgação do vinho Chã, compreender o perfil do consumidor e identificar fatores que influenciam o seu consumo.
Também recomendou a aposta numa plataforma digital para divulgação mais eficaz e rápida, não só do vinho Chã, mas de todos os vinhos de Cabo Verde, reunindo igualmente as diferentes empresas que operam neste setor no país.
Maria Teixeira, natural da ilha de Santo Antão e residente na cidade da Praia, é licenciada em Análises Clínicas e Saúde Pública pela Universidade Intercontinental de Cabo Verde (ÚNICA) e agora é a nova mestre em Gestão da Qualidade e Marketing Agroalimentar pelas Universidade de Évora e do Algarve.
O vinho Chã é produzido através de 1.500 hectares de vinhas de plantações rasteiras que chegam até à quota dos 2.200 metros, em plena encosta do pico principal do vulcão, numa grande cratera de nove quilómetros de diâmetro, onde está inserida a aldeia. Ali, mais de cem pequenos produtores resistem à seca e às erupções para garantir as uvas necessárias para um dos mais conhecidos vinhos de Cabo Verde.
Em Chã das Caldeiras, aldeia levada na erupção de 2014/2015, não há família que não tenha uma pequena vinha, plantada em campos que há pouco mais de cinco anos eram de lava incandescente. Organizados numa cooperativa, deram origem ao conhecido vinho Chã.
A cooperativa recebe praticamente toda a produção de uva na cratera e é ela própria um exemplo da resiliência de quem em Chã das Caldeiras já perdeu tudo nas erupções (1951, 1995 e 2014) mas prefere sempre voltar e reerguer.
Na história registada da ilha do Fogo, desde 1500, a erupção de 2014 foi a 27.ª, sendo que a instalação do que é hoje a aldeia de Chã das Caldeiras remonta apenas ao início do século 20.
A adega da cooperativa, em pleno centro da aldeia, não escapou às duas últimas erupções.
Segundo dados da cooperativa, em 2019 produziram-se 50.000 litros de vinho, metade do normal em ano de chuva, essencialmente branco (75%), mas também tinto (20%) e rosé (5%).
Comentários