Sem apertos de mão, o debate começou poucos minutos depois das 02h00 (hora de Portugal, 18h00 horas em Nevada). Chris Wallace, o anfitrião, explicou as regras à plateia: não aplaudir, não rir, nada que possa perturbar os 90 minutos do último debate entre os dois candidatos à presidência dos EUA.

Sem parcimónia, Wallace lança o primeiro tema da noite: Nomeações para o Supremo Tribunal. Senhoras primeiro. “O tribunal tem de estar do lado das pessoas, e não das empresas e dos mais ricos”, diz Hillary. É uma declaração de intenções, a de colocar no Supremo Tribunal juízes que defendam os direitos das mulheres e da comunidade LGBT. Fica uma crítica ao Senado, que travou o processo de nomeação do juiz proposto por Obama para o lugar de Antonin Scalia.

Já Trump aproveita a oportunidade para agitar uma das suas bandeiras: a defesa da segunda emenda, que garante o direito à manutenção e porte de arma aos americanos. “Se Hillary ganhar teremos uma segunda emenda que será uma pequena réplica do que é hoje”, diz o republicano, garantindo apontar acérrimos defensores deste direito para o organismo, assim como juízes “pró-vida”, que “interpretam a Constituição como ela deve ser interpretada”.

Hillary reage: “Eu defendo a segunda emenda”, garante, salientando porém um “controlo razoável” sobre quem pode ou não ter acesso a armas. “Temos 33 mil pessoas que morrem baleadas”, lembra, não deixando de recordar também que Trump é apoiado pela National Rifle Association (NRA), e que, portanto, terá interesse nesta bandeira. O republicano não se fica: “Tenho muito orgulho de ser apoiado pela NRA”.

De juízes “pró-vida” e “pró-armas” para o aborto. Wallace volta a dar primazia a Hillary. “As mulheres não devem ser punidas pelo aborto”, defende, salientando sempre o quão difícil uma escolha desta natureza pode ser. O candidato republicano, por sua vez, assume que se for eleito presidente a lei do Supremo Tribunal (que despenaliza o aborto) poderá ser revista e o tema voltar a estar sob alçada da legislação estadual. E Trump vai ao extremo, falando de mães que “arrancam os filhos do ventre” a dias do parto. Hillary critica o populismo do exemplo, chama-lhe “uma retórica infeliz”. De facto, a legislação em causa (Roe vs Wade) coloca nas mãos da mulher a decisão durante a totalidade da gravidez, mas define diferentes níveis de interesse do Estado para regular o aborto no segundo e no terceiro trimestre. “Ele não sabe o que a lei permite e pensa claramente que os médicos são monstros”, conclui Clinton. 1-0 para a candidata democrata que antes da primeira meia hora já está a dar a entender que Trump não sabe do que fala.

Imigração. Mais um tema polémico, mas os ânimos estão calmos em cima de palco. Trump lança uma cartada, trouxe para o debate mães cujos filhos foram mortos por ilegais. “Não temos país se não temos fronteiras”, advoga o candidato republicano associando a imigração à disseminação de drogas na sociedade. O famoso “muro” na fronteira com o México volta à discussão. Trump não cede: não só quer o muro, como promete expulsar os “bad hombres” do país.

Clinton não se amedronta com as convidadas de Trump para o debate e aposta também na humanização do tema. “Não quero separar famílias”, diz, deixando no ar a imagem de forças policiais a forçar imigrantes a entrar em autocarros e comboios para serem expulsos do país. E a primeira alfinetada da noite: Hillary recorda que no encontro com o presidente mexicano, Trump não colocou o “muro” em cima da mesa. Falta de coragem? Fica o fantasma.

Trump começa a perder a calma: “Hillary Clinton queria um muro”, atira. “Sim, votei a favor do controlo de fronteiras”, assume a candidata democrata, ressalvando que entre isso e o que Trump propõe há uma clara diferença e… mais uma alfinetada: Trump usou trabalhadores sem documentos para construir a torre com o seu nome, acusa Clinton, dizendo que quer tirar “as pessoas das sombras” para evitar que sejam exploradas por pessoas como Trump.

“Obama deportou muita gente e ninguém quer falar sobre isso”, avança Trump. Agora, Hillary quer uma dar uma “amnistia” aos ilegais, acusa.

Trump, a marioneta

Chris Wallace retoma o controlo da situação. Cita documentos revelados pelo Wikileaks, mas Hillary nem hesita: “A Rússia cometeu espionagem ao mais alto nível para influenciar as eleições americanas. A questão mais importante da noite é: vai ou não Donald Trump condenar isto e demarcar-se da espionagem russa contra a América” que, lembra, “encorajou no passado”?

Trump perdeu a oportunidade de encostar Hillary às cordas e foge à questão: “Não conheço Putin. Se nos dermos bem, ainda bem… (…) ele não tem qualquer respeito por ela. Não tem qualquer respeito pelo presidente. 1.800 bombas nucleares e ela parece uma galinha medrosa”. 

Hillary encontrou um filão e não o larga: “Isso porque eles preferem ter uma marioneta como presidente dos EUA”. “Não sou uma marioneta, tu é que és”, responde o candidato, que começa a perder mais uma vez a calma e Clinton sabe-o e insiste. “Ela não gosta do Putin porque ele é mais esperto que ela sempre, na Síria, por exemplo”, responde Trump. No entanto, e considerando o fantasma da Guerra Fria, não serão muitos os americanos a nutrir um carinho por Putin. É a vez de Chris Wallace intervir: Trump, “condena a interferência russa?”. “Da Rússia ou de qualquer outro? Claro que condeno”, acaba por admitir. 2-0 para Hillary.

Economia. As promessas são várias. Clinton quer apoiar a classe média, aumentar benefícios e oportunidades, e ir buscar dinheiro às camadas mais altas da sociedade. Trump promete uma brutal diminuição de impostos. Dos dois lados, há milhões de empregos para distribuir. O candidato republicano critica o acordo Tratado Livre de Comércio da América do Norte - que promete rever e deixar cair se for caso disso - e aproveita o embalo para deixar uma crítica a Bill Clinton, colocando em causa a sua governação e, por inerência, o percurso político de Hillary. Clinton defende o legado do marido e o de Obama, mas promete fazer mais. Trump responde prometendo fazer crescer a economia em, pelo menos, 4%, face aos 1% do PIB atuais. Hillary, por seu turno, garante que não vai aumentar a dívida.

Chris Wallace, irrepreensível, vai lembrando aos candidatos que as suas projeções são, aos olhos dos analistas, algo irrealistas.

E sobre os acordos comerciais e o impacto dos mesmos no emprego norte-americano, Hillary deixa um aviso sobre as “lágrimas de crocodilo” de Trump, que, diz, construiu a sua famosa torre com aço chinês. “Posso fazer-te uma pergunta simples? Se estás há 30 anos em cargos políticos porque me deixaste fazer isto? Não me importava que me impedissem”, argumenta Trump. 2-1, o candidato republicano recupera terreno.

Quem está mais preparado para ser presidente?

Não se falou de “stamina”, ou da falta dela, da saúde dos candidatos ou sequer do teste de drogas que Trump pediu antes do debate. Aqui, o tema foram as acusações que vieram a público recentemente de algumas mulheres que dizem que Trump as assediou, assim como o vídeo em que este admite que “quando se é famoso se pode fazer o que se quiser, até agarra-las pelas partes intimas”.

Trump refutou as acusações e disse acreditar que estes casos foram alimentados pela campanha de Hillary Clinton, assim como os episódios de violência nos seus comícios. “Ninguém tem mais respeito pelas mulheres que eu”, garantiu, perante gargalhadas da audiência. 3-1, não há como Trump vencer esta ronda, portanto, parte para o ataque: “Ela [Hillary] destruiu e-mails e isto sim não é ficção. Ela mentiu às pessoas”. Hillary não dá sequência, e desta vez é ela quem foge ao tema. Contas feitas, 3-2.

Segue-se outro tema difícil para Clinton: As suspeitas de acesso privilegiado dos apoiantes da Clinton Foundation à ex-Secretária de Estado enquanto ainda estava no cargo. Mais um desvio: “Tudo o que fiz como Secretária de Estado foi no interesse do país”, mas estou feliz por falar na fundação “cujo trabalho é reconhecido em todo o mundo”. Trump interrompe, aproveita a deixa para perguntar porque é que a fundação aceita dinheiro de países que “expulsam gays de edifícios” e não respeitam os direitos das mulheres. Clinton sorri. A melhor defesa é o ataque e a Fundação Trump também tem sido alvo de várias polémicas. “Estou à vontade para comparar a Fundação Clinton à Fundação Trump, que recolheu dinheiro para comprar um retrato do próprio Trump”, remata. Aqui, podemos dizer que é um empate.

Trump, vai aceitar o resultado das eleições? “Nim"

E é então que Chris Wallace toca no ponto sensível da noite: Trump, que tem colocado em cima da mesa a hipótese de fraude eleitoral a 8 de novembro, vai ou não aceitar o resultado das eleições? “Vou deixá-lo em suspense. Digo-lhe na altura”, responde, para choque dos presentes. Não é comum um candidato colocar em causa as instituições democráticas do país e o resultado das eleições. Há quem considere que Trump prepara a derrota antes mesmo de chegar às urnas. Facto é que as últimas sondagens dão a Hillary uma vantagem de 6 pontos percentuais nas intenções de voto. Ou seja, 4-2, Hillary na vantagem e nova polémica de Trump, que deverá fazer várias manchetes esta quinta-feira.

Chegamos aos temas internacionais. Trump acusa Hillary e Obama de ter dado o ISIS (autoproclamado Estado Islâmico) à América ao criar um vácuo com a retirada do Iraque. Quando questionados por Wallace se ponderam colocar botas no terreno, Hillary é clara: “Não”. 

Já Trump opta por fugir à pergunta, centrando as suas críticas quer no apoio da candidata à invasão, quer à retirada das tropas do cenário de guerra. “Nós tivemos Mossul, mas quando saímos perdemos Mossul e agora estamos a lutar por isso outra vez”, diz o republicano, salientando que o grande beneficiado disto é o Irão. “Deviam enviar-nos uma carta a agradecer”, diz, seja por isto, seja pelo acordo nuclear. Quando o tema diverge para a Síria, Trump opta por salientar mais uma vez como a Rússia parece estar sempre um passo à frente do Executivo norte-americano. “Ninguém acredita o quão estúpida é a nossa liderança”, diz. Trump até poderia ter alguma vantagem no tema, mas Hillary faz questão de lembrar que o milionário também foi a favor da incursão americana no Iraque.

Antes de terminar há ainda tempo para benefícios sociais: Trump quer acabar com o Obama Care, Hillary garante a sustentabilidade dos apoios sociais sem aumentar dívida.

Wallace pede que o debate termine com “uma nota positiva”. Quer que os candidatos expliquem aos eleitores porque devem votar em si. As estratégias divergem. Hillary concentra-se nos seus pontos fortes, Trump concentra-se nos pontos fracos da opositora. A destacar, porém, é a promessa do republicado de “fazer mais pelos afro-americanos e latinos” do que Hillary alguma vez fez. Um pequeno esforço para um eleitorado que Trump tem vindo a alienar consecutivamente com os seus discursos.

Findo o debate, não há aperto de mão entre os candidatos. Mas, verdade seja dita, Trump não esqueceu desta vez o protocolo e prontamente cumprimentou o moderador. Chris Wallace foi o terceiro protagonista deste debate, firme na condução do mesmo e no controlo dos convidados e do público. Manteve-se fiel ao guião e tornou este confronto - o último, e por isso também o que mais expectativas criou - um dos mais interessantes ao nível do conteúdo. De louvar.

A experiência política de Hillary valeu-lhe mais uma vitória. Trump não é um candidato do sistema. Apesar de esta ser uma característica muito apreciada pelos seus apoiantes, o facto é que nestas situações sai-lhe caro.

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