Esta jornada, extraordinária sob todos os pontos de vistas, viu o Presidente da primeira potência mundial [Donald Trump] exibir uma forma de cumplicidade com o herdeiro da dinastia dos Kim, que reina com uma mão de ferro na Coreia do Norte desde há mais de 60 anos.
Trump, que reivindica em alto e bom som uma abordagem iconoclasta da diplomacia, garantiu que o processo de desnuclearização poderia começar “muito rapidamente”, depois de décadas de tensão em torno as ambições atómicas de Pyongyang.
Mas a formulação da declaração comum é muito vaga, em particular em termos de calendário, e remete para negociações posteriores a sua concretização.
O texto recupera os compromissos anteriores do regime norte-coreano, nunca realizados, sem especificar que a desnuclearização deve ser “verificável e irreversível”, como o reclamava Trump, com força, antes da cimeira de Singapura.
“Kim Jong-un reafirmou o seu compromisso firme e inquebrável em favor de uma desnuclearização completa da península coreana”, como está escrito na declaração.
Durante uma longa conferência de imprensa, particularmente atabalhoada, Trump, que explicou não ter fechado olho “durante 25 horas”, evocou em particular o potencial turístico e imobiliário da Coreia do Norte, que possui, como sublinhou, “praias muito bonitas”.
Insistiu que as sanções contra a Coreia do Norte vão continuar em vigor, enquanto a “ameaça” das armas atómicas não desaparecer, e reafirmou que a retirada das tropas norte-americanas baseadas na Coreia do Sul não estava na ordem do dia.
Mas Trump fez uma concessão importante, ao declarar que acabava com as manobras militares comuns com a Coreia do Sul, o que, desde há muito, era exigido pela Coreia do Norte.
As afirmações de Trump surpreenderam visivelmente o Comando das Forças Norte-Americanas na coreia do Sul, que em comunicado, garantiu não ter recebido qualquer instrução sobre a realização ou suspensão das manobras, incluindo o exercício Ulchi Freedom Guardian”, previsto para o final do ano.
Segundo Vipin Narang, professor no Instituto de Tecnologia do Massachusetts, “a Coreia do Norte não prometeu nada que não tivesse prometido nos últimos 25 anos. (…) Neste momento, não há qualquer razão para pensar que esta cimeira conduza a qualquer coisa de mais concreto que isso na frente do desarmamento”, disse à agência AFP.
Analistas e historiadores lembram que o regime de Pyongyang tornou-se mestre na arte de promessas não cumpridas. Tanto em 1994, como em 2005, os acordos então alcançados nunca foram cumpridos.
A cimeira, a primeira entre um presidente norte-americano e um líder norte-coreano, foi marcada por vários apertos de mão, imagens inimagináveis ainda há alguns meses, quando os dois homens trocavam ameaças e insultos.
Kim Jong-un considerou ter “virado a página do passado”, depois de ter superado “numerosos obstáculos” para chegar a este encontro, “bom prelúdio para a paz”.
Trump, pela sua parte, saudou a “relação muito especial” que estabeleceu com quem reina de forma absoluta na Coreia do Norte e que é, em particular, suspeito de ter ordenado o assassínio do seu irmão, no ano passado, num aeroporto na Malásia.
Todo sorridente, Trump mostrou-se particularmente elogioso a respeito de Kim Jong Un, “muito talentoso” e “muito bom negociador”, dedicando-lhe superlativos que por norma tem reservado aos seus aliados.
“Vamo-nos encontrar de novo”, disse Trump, que se declarou pronto para se deslocar, “na altura certa”, a Pyongyang, e convidar o herdeiro da dinastia Kim para a Casa Branca.
A bordo do avião presidencial, o Air Force One, Trump disse aos jornalistas que confiava no dirigente norte-coreano quanto à desnuclearização.
“No caminho de regresso depois de uma visita verdadeiramente incrível a Singapura. Foram feitos muitos progressos”, escreveu na rede social Twitter, na terça-feira.
“Entendi-me muito bem com Kim Jong-un que quer ver o seu país fazer grandes coisas”, acrescentou.
Já o analista Michael Kovrig, do International Crisis Group (ICG), em Washington, considerou que a cimeira “foi uma enorme vitória para Kim Jong-un”, que conseguiu o que o seu pai e o seu avô “tinham sonhado”.
Para Kovrig, “tanto para os EUA, como para a comunidade internacional, é um ponto de partida positivo para as negociações que devem ser longas e difíceis”.
A China, que é o principal parceiro da Coreia do Norte, saudou o início de “uma nova história”.
Numerosos outros países saudaram o início de um processo diplomático, embrionário, bem entendido, m as que afasta a possibilidade de um conflito.
O arsenal nuclear norte-coreano tem valido a Pyongyang uma impressionante série de sanções da ONU, ao longo dos anos.
Para convencer a Coreia do Norte a renunciar a este arsenal, quando o regime dos Kim sempre viu nele uma forma de seguro de vida, Trump comprometeu-se, formal e pessoalmente, no documento comum, a dar “garantias de segurança”. Estas serão “únicas” e “diferentes” das propostas até agora, prometeu o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo.
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