“Existem alguns elementos desta eleição que são um cruzamento entre política e entretenimento. Com os ‘reality shows’ e as audiências televisivas a invadirem o espaço político e estamos a enfrentar uma bastardização do processo político com elementos do entretenimento. É desagradável e infeliz que isto aconteça numa sociedade livre”, afirmou à Lusa Hunter Halder, que em 2011 criou em Lisboa o projeto Re-food (movimento criado para travar o desperdício alimentar).
Mesmo com tal cenário, este norte-americano da Virginia a viver há 26 anos em Portugal acredita que é preciso encarar certos “desvios” como “fenómenos transitórios” e que, no fim do ato eleitoral da próxima terça-feira, “é para confiar” no juízo do povo americano.
“Podemos ter desvios, podemos ter coisas até desagradáveis e pouco úteis para o discurso público. Existem todos estes elementos numa sociedade livre, mas no fim da história o juízo do povo vai falar”, referiu Hunter Halder, recorrendo a uma comparação: “Depois de uma bebedeira [o povo-americano] fica sóbrio no dia seguinte”.
“Isto é passageiro e é um fenómeno de sociedades livres. Somos livres também para propor coisas estúpidas”, reforçou, sem nunca mencionar nomes de candidatos na corrida à Casa Branca.
Os Estados Unidos elegem a 8 de novembro o 45.º Presidente da história norte-americana, num ato eleitoral disputado pela primeira mulher candidata de um grande partido, Hillary Clinton (democrata), e pelo controverso multimilionário Donald Trump (republicano). Nesse mesmo dia, também vão a votos mais de 450 cargos legislativos do Congresso norte-americano.
Na opinião do fundador do projeto Re-food, os desvios e os fenómenos destas eleições devem ser, no entanto, alvo de uma reflexão, bem como podem ser encarados como alertas para a futura administração norte-americana.
“Podemos olhar para algumas coisas na sociedade americana que não são produtivas nem positivas e devemos enfrentar estas realidades e continuar a mudar”, defendeu o norte-americano, cuja imagem ficou associada à bicicleta que utiliza para transportar as sobras de alimentos que recolhe em restaurantes.
Segundo Hunter Halder, há americanos muito infelizes “com o sistema político bipartidário, com o 1% que controla tudo” e fartos das coisas que perduram no tempo.
Uma procura pela mudança que serviu para mobilizar pessoas de espectros e visões políticas completamente opostas: “Um voto para Bernie Sanders [candidato derrotado nas primárias democratas] não tem nada a ver com um voto para Donald Trump [candidato presidencial do Partido Republicano]. Mas as motivações das bases destes eleitorados são muito iguais e querem mudança”.
“Para a pessoa que eventualmente vai ganhar a Presidência, é um alerta que a continuação da política normal não agrada o povo americano. Precisamos de mudança e acho que esta reflexão tem de ser feita”, reforçou o mentor do Re-food.
Sobre o dia seguinte às eleições e as suas repercussões na política norte-americana, Hunter Halder realçou que será interessante acompanhar os eventuais efeitos da campanha de Trump no Partido Republicano, um partido que semeou “negativismo durante os últimos 30 anos” e que deseja manter a maioria nas duas câmaras do Congresso norte-americano.
“O clima de confrontação criado, de negar o futuro, e demonizar parte da população, não ser inclusivo, esta maneira de falar e de agir do Partido Republicano, tem os seus frutos na candidatura de Donald Trump. Isto é uma lição para todos nós, as sementes que semeamos serão os frutos que vamos colher, não só em política, mas em toda a nossa vida”, sublinhou.
Para Hunter Halder, as vozes conservadoras devem existir no discurso político norte-americano e devem ser representadas por um partido mas “de uma maneira consistente e edificante”.
“Quando o discurso deixa de ser edificante então talvez não exista espaço para isto. Estou à espera que outra coisa surja ou talvez uma política que não seja bipartidária, mas com outros atores”, afirmou.
“Acho que a democracia é uma coisa muito forte, um bocadinho confusa, mas como Winston Churchill [antigo primeiro-ministro britânico] disse ‘a democracia é uma horrível forma de governo, mas é a melhor que todas as outras’”, recordou este “americano alfacinha”.
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