“O expurgo das inconstitucionalidades decorreu de uma análise cuidada e exaustiva do acórdão, do caminho apontado pelo mesmo em termos de direito comparado e assim foi possível densificar os conceitos por forma a ir ao encontro dos obstáculos de natureza jurídico-constitucional apontados”, disse a deputada do PS Isabel Moreira.
No debate da reapreciação do decreto sobre a morte medicamente assistida, na sequência do veto por inconstitucionalidade do Presidente da República, a parlamentar socialista salientou ainda que o acórdão do TC considerou que “o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstância”.
Segundo a parlamentar, o diploma que foi devolvido por Marcelo Rebelo de Sousa ao parlamento tinha sido “aprovado por uma maioria inquestionável” dos deputados, através de um “voto particularmente informado”, porque o debate em torno da eutanásia foi um dos mais “longos, profundos, abertos e participados” na Assembleia da República.
Em julho, no final da anterior sessão legislativa, PS, BE, PAN, PEV e Iniciativa Liberal, partidos com projetos sobre a eutanásia, acordaram, em reunião informal, o texto final para ultrapassar o “chumbo” do Tribunal Constitucional desta lei.
No debate de hoje, José Manuel Pureza, do BE, considerou que a alteração ao decreto proposta por esses partidos permite concluir, “passadas décadas de discussão na sociedade e anos de debate parlamentar”, um trabalho legislativo complexo que abre caminho ao “respeito pela dignidade de cada pessoa no final da sua vida”.
“Com o aperfeiçoamento que agora propomos, fica ultrapassada a motivação constitucional que foi a única que fundamentou o veto presidencial”, defendeu José Manuel Pureza, para quem “deixa agora de haver quaisquer obstáculos à sua plena adoção”.
Para João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, a votação do decreto na sexta-feira será o “culminar de um processo que originou um debate profundo, participado e ponderado na sociedade portuguesa” e as propostas de alteração apresentadas respondem às questões levantadas pelo TC.
Bebiana Cunha, do PAN, considerou que os deputados não podem “arrogar-se ao direito de, em nome dos seus preceitos morais, impedir a vontade expressa de uma pessoa pôr à fim à sua própria vida, nos moldes definidos pelo presente decreto”.
José Luís Ferreira, do PEV, outro dos partidos proponentes, sublinhou que o novo texto legislativo “afasta todas as reservas manifestadas no referido acórdão”, o que garante as condições necessárias para a conclusão deste processo legislativo “que conheceu uma participação e um alargado debate” no parlamento.
Em sentido contrário, o deputado do PSD Adão Silva recordou que, durante mais de 230 dias, desde o veto do Presidente da República, nenhum grupo parlamentar apresentou qualquer proposta de alteração para ultrapassar as inconstitucionalidades declaradas, o que só foi feito “na 25.ª hora, no momento em que está à vista o fim da atual legislatura”.
De acordo com o parlamentar social-democrata, com a presente crise política e com a eventual dissolução do parlamento a breve prazo, “não estão criadas as condições de prudência, serenidade e rigor que são necessárias” para aprovação desta lei.
Além disso, referiu Adão Silva, esta urgência deve-se à circunstância de, se o processo legislativo não ficar concluído nos próximos dias, “todo o processo cair por culpa de quem durante mais de 230 dias nunca quis avançar”.
No mesmo sentido manifestou-se o líder parlamentar do CDS, Telmo Correia, para quem se formou “uma outra geringonça para aprovar a eutanásia”, que levou ao plenário um texto com alterações aprovadas sem ouvir várias entidades, como o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida ou as ordens profissionais ligadas à saúde.
Depois de salientar que as “dúvidas que teriam de ser resolvidas” não o foram com as alterações propostas, Telmo Correia anunciou que os deputados da sua bancada “votarão em total liberdade de voto, mas votarão contra”, por uma questão de princípio e de valores.
António Filipe, do PCP, adiantou que o grupo parlamentar comunista vai manter o seu voto contra, mas não colocou em causa a legitimidade da Assembleia da República para decidir sobre esta matéria.
“A Assembleia da República está em plenitude de funções e não se trata de um novo processo legislativo. O processo legislativo, concorde-se ou não com o seu conteúdo, foi concluído, e do que se trata agora é reapreciar os termos propostos para a alteração do texto então aprovado”, referiu.
Para António Filipe, neste processo “não se discute a dignidade individual”, mas sim a questão de “saber se um Estado que nega a muitos cidadãos os meios para viver dignamente lhes deve oferecer os meios legais para antecipar a morte”.
No debate que ocorreu na véspera da votação, André Ventura considerou “vergonhoso” que o parlamento discuta esta matéria “quando está prestes a mudar de maioria” e avançou que o partido pretende, na próxima legislatura, reverter a legislação que deverá ser aprovada sexta-feira.
A deputada não inscrita Cristina Rodrigues salientou também que o TC entendeu que “o direito à vida não pode transfigurar-se num dever de viver em qualquer circunstância”, assim como que o parlamento tem legitimidade para legislar sobre esta matéria.
No entender de Joacine Katar Moreira, deputada não inscrita, a despenalização da morte medicamente assistida é um “ato de profundo respeito pela dignidade humana”, não “havendo tempo marcado para a defesa” destes direitos.
Os deputados reapreciaram hoje o decreto sobre a morte medicamente assistida, na sequência do veto por inconstitucionalidade do Presidente da República, que devolveu o diploma em março ao parlamento.
As alterações ao decreto da eutanásia incluem, entre outros, um novo artigo inicial de definições para clarificar conceitos, oito no total, desde a morte medicamente assistida à "lesão definitiva", doença grave ou incurável.
O Tribunal Constitucional (TC) chumbou em 15 de março, por uma maioria de sete juízes contra cinco, esta lei que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal, em resposta a um pedido de fiscalização preventiva feito por Marcelo Rebelo de Sousa.
Face à declaração de inconstitucionalidade, o Presidente da República vetou o diploma, devolvendo-o ao parlamento.
A Constituição determina que, perante uma declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, o diploma deverá ser vetado pelo Presidente da República e devolvido, neste caso, ao parlamento, que poderá reformulá-lo expurgando o conteúdo julgado inconstitucional ou confirmá-lo por maioria de dois terços.
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