Maria de Belém Roseira começou a sua intervenção, de cerca de 40 minutos, no Pavilhão Centro de Portugal, em Coimbra, por afirmar que tinha saudades do Ministério dos Assuntos Sociais e por lembrar o que levou ao aparecimento do SNS.
“Surge como alavanca de progresso e de justiça social, como garante de liberdade autêntica, assente em carreiras médicas e carreiras para todos os profissionais de saúde hierarquizadas e que se pretendia não burocrático, mas antes humanista e, sobretudo, um SNS realizador do conteúdo do direito à proteção da saúde e não basta consagrá-lo [o direito], são a disponibilidade, a acessibilidade, a aceitabilidade e a qualidade”, lembrou.
Desde que foi fundado, há 45 anos, os indicadores de saúde “melhoraram, e muito” e, a título de exemplo, apontou o da mortalidade infantil. Dos restantes indicadores, em 55% deles, Portugal está “melhor que a média dos países da OCDE” (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), acrescentou.
Apesar disso, sublinhou, “e apesar do crescimento que o SNS teve, o aperfeiçoamento, a evolução, os portugueses são os que mais se queixam e são os que mais se queixam porque não valorizam o que têm e aí foi o trabalho de cidadania que faltou”.
“Porque nós somos exímios em ser avaros naquilo que decorre do que nós pagamos e sermos extraordinariamente exigentes relativamente àquilo que à custa dos outros nos é proporcionado e isto não fica bem”, defendeu.
Neste sentido, considerou que “falhou a articulação com quem tem que fazer essa formação em cidadania” e, lembrando os discursos do considerado ‘pai do SNS’, António Arnaut, era preciso “lutar contra os vícios, designadamente as baixas fraudulentas” para afirmar que “não acabaram”.
Maria de Belém Roseira defendeu ainda que os portugueses podem “estar satisfeito” com a progressão dos indicadores de Saúde, “mas estar satisfeito para quem tenha a responsabilidade de responder a uma exigência que está ligada ao direito à vida, com todas as emoções que isso acarreta, não é suficiente”.
“Nós temos de estar contentes com o que se conseguiu, mas muito inquietos com aquilo que não se conseguiu”, destacou a antiga ministra da Saúde, entre 1995 e 1999, no Governo de António Guterres.
Com isto, citou o pesquisador indiano Amartya Sen, que disse, num discurso a que intitulou o que é que deve tirar o sono às pessoas durante a noite, Maria de Belém Roseira lembrou as suas palavras: “são as injustiças não reparadas”, para defender que “as desigualdades em saúde são injustiças básicas”.
A ex-governante apontou ainda “um indicador terrível” em Portugal e que “explica grande parte da pressão” a que o SNS está sujeito, que “é a esperança de vida com saúde depois dos 65 anos”.
“Neste, nós estamos com cerca de nove anos de esperança de vida com saúde, enquanto os nórdicos estão com quase 20. E a mim só me satisfaz o melhor e à saúde só pode satisfazer o que é melhor”, defendeu.
No seu entender, neste indicador “falhou a aplicação da doutrina dos direitos humanos que tem como princípios essenciais a universalidade” e esta tem “muitas restrições ao acesso, a invisibilidade dos direitos humanos, a sua interdependência e a inter-relação”.
A cerimónia contou com a presença da ministra da Saúde, Ana Paula Martins, o diretor executivo do SNS, António Gandra d’Almeida, o presidente da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes assim como o presidente da região Centro, Manuel Teixeira Veríssimo, e outros intervenientes da área da saúde, assim como a família de António Arnaut.
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