A guerra no Iraque começou em 20 de março de 2003, numa coligação liderada pelos Estados Unidos e Reino Unido, escassos dias depois de o líder norte-americano, George W. Bush, e dos primeiros-ministros britânico, Tony Blair, e espanhol, José Maria Aznar, se terem reunido nos Açores, num encontro que ficou conhecido como “a cimeira da guerra”, tendo como anfitrião o chefe do Governo português, Durão Barroso.
O objetivo invocado para a invasão foi derrubar o regime de Saddam Hussein, libertar o povo iraquiano e a alegada posse de armas químicas que inspetores da Agência Internacional de Energia Atómica nunca encontraram, nas semanas anteriores ao conflito, nem depois as forças ocupantes, que tomaram Bagdad em 9 de abril.
“Não, não me senti enganado”, afirmou em entrevista à Lusa António Martins da Cruz, chefe da diplomacia portuguesa à data da guerra no Iraque, ao contrário do então secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, que antes da invasão apresentara na ONU supostas provas das armas proibidas – que não foram suficientes para uma resolução do Conselho de Segurança -, e mais tarde demonstrou publicamente o seu arrependimento.
O antigo governante e diplomata disse que o Governo português atuou em função da informação que na altura possuía, que lhe chegava e também a Durão Barroso através do Departamento de Estado norte-americano e de contactos telefónicos com o próprio Colin Powell.
“Eu acredito até demonstrarem o contrário nas informações que nos chegam dos serviços de inteligência, quer portugueses, quer dos nossos aliados, sobretudo dos americanos, que têm a fama mesmo ter os melhores serviços de inteligência do mundo”, declarou, insistindo que, por isso, não se sentiu enganado, tal como “o responsável pela política externa americana também não se sentiu [em 2003] enganado”.
Posteriormente, referiu, surgiram teses de que os serviços de informação norte-americanos se equivocaram sobre a existência de armas proibidas, ou que o fizeram de propósito.
“Não faço ideia, já vi as duas teses nas memórias que têm sido publicadas”, observou, mas, para António Martins da Cruz, “a história não se reescreve”, nem se podem julgar as decisões tomadas no passado com base naquilo que se sabe hoje.
“É das coisas mais estúpidas que há”, declarou, adicionando que Portugal “é um país com uma história gloriosa, com quase 900 anos, e não temos de nos arrepender de nada, temos até de nos orgulhar”.
Apesar da ausência de respaldo das Nações Unidas e das objeções de vários países, o posicionamento de Portugal era, naquele período, “muito claro e sem causar problemas de maior” por várias razões.
Além das armas de destruição em massa, Martins da Cruz recordou que, há 20 anos, “os Estados Unidos tinham uma presença forte e até mesmo dominante no Médio Oriente” e que, “ao contrário daquilo que é muito propalado agora, sobretudo pela esquerda mais radical, Portugal não estava isolado na União Europeia”.
Dos países que compõe atualmente a União Europeia, apontou, cerca de 20 apoiavam os Estados Unidos, “quem estava isolado era a França, por razões óbvias, porque desde [Charles] de Gaulle, com exceção do Presidente [Nicolas] Sarkozy que mudou a orientação, se opõe sistematicamente aos Estados Unidos na área da defesa e noutras, e, mesmo que os Estados Unidos digam que dois e dois são quatro, a França vem dizer que não”.
A Alemanha, lembrou, também era contra, sendo então governada por Gerhard Schröder, que mantém fortes relações com a Rússia, desde que abandonou o cargo de chanceler. “Foi a correr 'com o rabinho a dar a dar' arranjar emprego na [energética] Gazprom pago pelos russos até à invasão da Ucrânia”.
Outro aspeto que era “muito claro, há 20 anos como hoje”, prende-se com a importância das relações com os aliados transatlânticos: “A defesa e a segurança de Portugal dependem da NATO, ou seja, dependem dos Estados Unidos, já que, se a Aliança Atlântica por absurdo fosse uma empresa, os Estados Unidos detinham com certeza 90 por cento ou 95% das ações”, argumentou.
Outro aliado essencial, apontou Martins da Cruz, que foi embaixador na NATO durante cinco anos, era o Reino Unido, então membro da União Europeia.
“O Reino Unido tem a segunda posição mais forte no Atlântico em termos de defesa. Ora Portugal, sendo um país europeu e atlântico, tem que ter relações privilegiadas com a potência ou as potências que dominam o Atlântico”, sustentou.
Outro motivo estava relacionado com a aproximação das autoridades de Madrid, lideradas pelo centro-direita de Aznar, após uma longa governação do socialista Felipe González, aos Estados Unidos: "Se a Espanha avançava e Portugal não o fazia, corríamos o risco, na perceção dos decisores políticos em Washington, mas também noutros sítios, de não necessitarem de dois interlocutores na Península Ibérica, bastava-lhes um e era seguramente a Espanha”, argumentou o atual dono de uma empresa de consultoria internacional e presidente da Oeiras Valley Investment Agency.
Apesar de no início de maio de 2003, o Presidente norte-americano afirmar que “os Estados Unidos e os seus aliados haviam prevalecido", discursando num porta-aviões à frente de um cartaz onde se lia “missão cumprida”, a guerra no Iraque prolongou-se nos anos seguintes, com uma forte insurreição local, lutas sectárias e a instalação do movimento terrorista Estado Islâmico no país.
Os militares norte-americanos só abandonaram o país em 2011, após quase nove anos de conflito, que, segundo a organização Iraq Body Count, provocou cerca de 300 mil mortos, pelo menos 186 mil dos quais civis, e quase cinco mil entre as forças internacionais.
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