Entre as alterações “mais criticáveis” no diploma, advertiu Margarida Salema, está a proposta para que os juros dos empréstimos bancários contraídos para financiar as campanhas sejam considerados despesas eleitoral e o artigo que prevê que são retiradas das contas dos partidos as dívidas a fornecedores que tenham prescrito.

O parlamento debate hoje seis projetos de lei para alterar o regime do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, sendo que apenas o diploma do PSD tem viabilização garantida na generalidade, depois de o grupo parlamentar do PS ter anunciado quinta-feira que apenas viabilizaria este projeto e que votaria contra os restantes.

Contactada pela Lusa, Margarida Salema, atualmente docente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, frisou que “o problema” do projeto do PSD é que a lei 19/2003 não permite que as candidaturas recorram a empréstimos bancários para financiar as campanhas eleitorais, havendo jurisprudência do Tribunal Constitucional a confirmar que “o empréstimo bancário não é uma receita eleitoral”.

Quem pode contrair empréstimos bancários são os partidos políticos mas, para passar esses montantes às candidaturas, os partidos têm de o fazer sob a forma de “contribuições do partido político”. Margarida Salema admite que tenha havido “uma confusão muito grande no projeto de lei do PSD” sobre o que são as receitas legais dos partidos e as receitas das campanhas.

Se a lei não permite como receita eleitoral os empréstimos bancários, “como é que é possível que os juros possam ser considerados despesas eleitorais para efeitos, nomeadamente, de subvenção?”, questionou.

“É absolutamente impensável que este tipo de alterações possa ver a luz do dia”, lamentou Margarida Salemta, que esteve oito anos à frente da entidade que fiscaliza as contas eleitorais e partidárias, entre 2009 e 2017.

“Ou então o PSD terá de alterar todo o diploma [do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais] e toda a filosofia no que respeita ao financiamento eleitoral”, declarou.

Outro aspeto considerado “inaceitável” é o artigo que prevê que as dívidas dos partidos ou coligações a fornecedores que prescreverem “são expurgados da contabilidade dos partidos políticos, nos termos das regras contabilísticas aplicáveis”.

Para a ex-presidente da ECFP, com esta alteração “estaria encontrada a forma de as empresas poderem financiar” os partidos [o que é ilegal], bastando para isso emitirem faturas por despesas que não vão ser pagas e que, depois de prescritas, são retiradas das contas anuais.

Questionada sobre o aspeto que o PSD destacou na exposição de motivos do diploma — a necessidade de os partidos não serem responsabilizados por dívidas realizadas que não tenham tido autorização central – Margarida Salema refutou que essa matéria deva ser tratada na legislação, considerando que visa resolver “um problema do foro interno do PSD” e “não tem dignidade legislativa”.

“Se há pessoas que contraem dívidas em nome do PSD isso é um problema do PSD”, declarou.

No passado dia 3 de julho, em declarações à Lusa, o presidente do PSD, Rui Rio, apontou como principal razão para mexer na lei a necessidade de “responsabilização daqueles que fazem dívida em nome do partido sem serem autorizados” pela sede nacional, uma situação que disse frequente em campanhas eleitorais autárquicas.

O projeto estabelece que, nestes casos, devem ser responsabilizados os mandatários financeiros locais ou quem contraiu a dívida não autorizada e não os partidos. No caso do PSD, disse Rio, esta responsabilização contraordenacional do partido tem gerado “milhões de euros de passivo” e até condenações em tribunal.

Margarida Salema, que foi deputada social-democrata e eurodeputada (1989-1994) disse compreender estes problemas, mais sentidos em eleições para as autarquias locais e em partidos descentralizados como é o caso do PSD.

Contudo, advertiu, o legislador não pode esquecer-se que, autorizadas centralmente ou não, as dívidas realizadas nesses contextos eleitorais são sempre em benefício eleitoral do partido.

Independentemente das soluções em causa, a ex-presidente da ECFP afirmou esperar que “os partidos não voltem a trabalhar nesta matéria de forma acelerada e despachada mais uma vez não possibilitando que as pessoas possam conhecer as posições dos partidos sobre cada um destes aspetos”.