Tomé Ribeiro Gomes tem como área de  investigação as relações transatlânticas, a estratégia e a geopolítica, em especial nas regiões do Atlântico Norte e do Ártico, e é o convidado do terceiro episódio do Explica-me Isto.

Começa por nos ajudar a situar no mundo. Para perceber o tema deve ter-se o " Círculo Polar Ártico, no centro do mapa e perceber que a Gronelândia está numa zona de fronteira entre a Rússia e os Estados Unidos, o Canadá e outros países da NATO que têm uma fronteira que até recentemente esteve trancada pelo gelo."

O degelo, explica o investigador do ISCTE e professor da UBI, trouxe "conflitualidade" a um "polo de paz". Nos últimos tempos a "Rússia tem reativado várias bases militares no Ártico e isto gera problemas por meio de uma percepção de ameaça de segurança por parte da NATO e dos Estados Unidos." E afirma de forma perentória o aquecimento global "acabou com o Ártico como o conhecíamos".

Esta semana, depois das eleições na Gronelândia o tema do independentismo nunca esteve tão presente na região, principalmente com o interesse de Trump na Gronelândia que quer não só os recursos naturais, mas poder ter ali um ponto para a defesa do Atlântico.

Até porque, hoje os EUA já ali têm uma base "muito importante por causa de radares que detetam. Faz a detecção precoce de mísseis que sejam lançados da Rússia, e da Eurásia em geral", numa importante rota para os russos uma vez que é a mais curta para os EUA. Mas se a base é "imprescindível", principalmente em caso de ataque nuclear aos EUA, "não é suficiente". E Trump alega que a Dinamarca não é capaz de assegurar a vigilância permanente que é necessária a partir da Gronelândia.

Segundo Tomé Ribeiro Gomes, a Europa viveu em "choque" as pretensões de anexação de Trump de um território de um Estado soberano que faz parte da NATO. Como reação, a Primeira-Ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, já prometeu alocar mais fundos para a Defesa da Gronelândia, o que o investigador vê como uma assunção de culpa no esquecimento dos últimos anos. Entre as promessas estão "navios com capacidade de operação naquelas latitudes, porque os navios atuais no gelo precisam, treino militar em condições polares, drones para fazer vigilância".

Uma chamada "infame" entre Trump e Mette Frederiksen deixou uma Dinamarca a sentir-se ameaçada e com um "problema político" em mãos interna e internacionalmente.

E se a Gronelândia é uma aposta muito rentável também é uma aposta muito cara. Qualquer "atividade económica que se queira ter na Gronelândia tem custos muito mais elevados. 80% do país é coberto com uma calota de gelo. Não há estradas entre as povoações gronelandeses e há apenas duas minas ativas." "Requer muito investimento até se conseguir ver o retorno", conclui.

Para Tomé Ribeiro Gomes o interesse de Trump gravita entre a possibilidade de ser um "jogo estratégico" ou uma "questão estratégica de segurança". Contudo, a realidade é que além de todas as consequências políticas, despertou nos gronelandeses "um patriotismo, talvez mais saudável do que os nacionalismos a que estamos habituados" que fez com que os "gronelandeses tivessem orgulho em ser gronelandeses" o que não facilita a posição da Dinamarca.

No fim da conversa, questionado sobre a possibilidade das pretensões expansionistas de Trump, incluírem os Açores, o investigador garante que "historicamente é possível". E já aconteceu em vários séculos, tendo sido o mais recente no pós 25 de Abril. "Houve uma tentativa dos Estados Unidos de ter ali alguns separatistas caso Portugal caísse para o comunismo ou para uma terceira via".

Acrescentou que os EUA "dificilmente aceitariam ficar sem acesso aos Açores se Portugal escolhesse outro caminho". E que para os açoreanos além de "um sentimento de negligência em relação a Lisboa" há uma afinidade cultural com a presença dos americanos na ilha Terceira. Assegura que tal como a Gronelândia "pensa que Copenhaga não investe o suficiente na Gronelândia, também os Açores pensam que Lisboa não investe o suficiente nos Açores." Mas os Estados Unidos substituem o Governo Central amiúde, sempre que necessário.

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Continuando o paralelismo com a Gronelândia, resume que há uma nova fronteira a norte "que é um Ártico em degelo, com rotas mais facilitadas. Não é só a rota da Rússia, uma rota para o Canadá e um dia poderá haver uma rota que atravessa mesmo o Ártico." Explica que com o degelo, as dinâmicas geopolíticas do Ártico estão a mudar. Como "mudaram várias vezes, por exemplo, quando abriu o Canal do Panamá, mudaram as dinâmicas geopolíticas do Atlântico Norte", mas "nem Portugal, nem a Europa, concetualizaram bem isto".

Com legislativas à porta, espera que nos programas e nas discussões dos candidatos os Açores e a geopolítica estejam nos programas dos candidatos, porque vivemos "transformação histórica passa por um ambiente geopolítico em que Portugal se insere" e os Açores têm que "fazer parte dessa conversa".

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Há temas que dominam a atualidade, mas nem sempre são fáceis de entender. Em "Explica-me Isto",  todas as semanas um convidado ajuda a decifrar um assunto que está a marcar o momento. Política, economia, cultura ou ciência—tudo explicado de forma clara, direta e sem rodeios. Os episódios podem ser acompanhados no FacebookInstagram e TikTok do SAPO24