O professor da Universidade de Bristol Stephan Lewandowski, especialista em desinformação, o diretor do departamento de política do Instituto para o Diálogo Estratégico (Institute for Strategic Dialogue, ISD), Jacob Davey, e o responsável pela área de investigação da organização Hope Not Hate, Joe Mulhall, coincidem na afirmação de que redes sociais “como a X” estão a alimentar o crescimento do extremismo ao permitirem o acesso das suas “figuras de proa” a uma plataforma para manobrar a violência a seu favor, através da mentira.
Para estes investigadores, a situação é agravada pela multiplicidade de “fontes desconhecidas e não confiáveis”, que tomaram o lugar tradicional de uma estrutura ou mesmo um movimento político imediatamente identificável.
Os especialistas foram ouvidos pelo jornal The Guardian, na sequência dos levantamentos de extrema-direita, verificados em várias cidades inglesas e em Belfast, na Irlanda do Norte, nos três últimos dias, após o assassínio de três raparigas, em Southport, no Noroeste de Inglaterra, num ataque a um atelier infantil de dança, na passada segunda-feira.
O jornal The Independent e a revista The Prospect, por seu lado, rastrearam as mensagens originais de apelo à violência, a partir da investigação do professor Marc Owen Jones, de Universidade Hamid bin Khalifa, em Doha, especialista em justiça social, repressão política e autoritarismo digital.
Jacob Davey, do ISD, disse ao jornal The Guardian que o perigo aumenta, conforme movimentos fascistas "tradicionais", como a English Defense League (EDL), deixam de funcionar como organização e se expandem nas redes sociais.
O Reino Unido, como outros países, tem agora “um movimento de extrema-direita muito mais descentralizado”, disse ao The Guardian. “Tem havido figuras conhecidas nos protestos – incluindo alguns neonazis declarados –, mas há também esta rede informal que inclui cidadãos locais preocupados e ‘hooligans’ do futebol”.
“Todas estas pessoas estão ligadas por estas redes ‘online’”, ativadas por figuras “profundamente cínicas, muitas delas fora do país, galvanizadas pela desinformação viral proveniente de fontes desconhecidas e não confiáveis.”
Para Joe Mulhall, investigador da Hope Not Hate, trata-se de um movimento “pós-organizacional”, em que líderes de extrema-direita manipulam pessoas, levam-nas “a tomar medidas ‘ad hoc’ ou a divulgar ‘online’ os seus próprios vídeos enganosos e falsos sobre questões que incluem migrantes e redes de aliciamento de crianças”.
O assassinato de três crianças em Southport foi a faísca para a intensificação da violência latente, alimentada por falsas alegações de que o autor do crime era um requerente de asilo chamado “Ali al-Shakati”.
De acordo com a investigação de Marc Owen Jones, “poucas horas depois de um rapaz ter sido detido pelos esfaqueamentos”, e de as autoridades terem garantido que nascera no Reino Unido há 17 anos, “começaram a circular nas redes sociais narrativas falsas identificando-o um imigrante muçulmano”, sob “observação do MI6 [serviços secretos] e dos serviços de saúde mental de Liverpool”.
Nada disto é verdade, escreve o editor da Prospect, Alan Rusbridger, citando a investigação de Marc Owen Jones, que verificou como esta “especulação atingiu rapidamente 27 milhões de reações nas redes sociais”, seguindo publicações do “autoproclamado misógino Andrew Tate”, detido pelas autoridades romenas por tráfico humano, violação e crime organizado, que soma dez milhões de seguidores, e do líder de extrema-direita britânico Tommy Robinson, que soma 800 mil.
“Um dos amplificadores mais proeminentes desta informação falsa”, escreve Alan Rusbridger, “foi uma organização obscura que se auto-intitula Channel3 Now”, que tem na sua origem a difusão de “vídeos de ralis de carros russos”, embora possa apresentar endereços de origem no Paquistão ou nos EUA.
Neste contexto, ao líder do partido de extrema-direita Reform, Nigel Farage, que se distinguiu na campanha pró-Brexit, bastou afirmar que a imprensa e as autoridades “não estavam a dizer a verdade”, questionando por que razão “o incidente não estava a ser tratado como ação terrorista”.
O editor da Prospect, num texto de opinião no jornal The Independent, responsabiliza diretamente Elon Musk por grande parte dos levantamentos, ao ter eliminado controlo de informação falsa e de apoio à violência na X (ex-Twitter), ao repor contas anteriormente bloqueadas, depois de ter adquirido a rede.
O professor Stephan Lewandowsky, da Universidade de Bristol, estende a crítica ao Facebook, “uma máquina de escândalos”: “É um problema grave e pode ser facilmente resolvido modificando os algoritmos para que destaquem a informação com base na qualidade e não na infâmia”.
“Há boas provas de que o bloqueio funciona. Se se expulsa alguém de uma rede social, a sua influência diminui”, disse o investigador de fenómenos de desinformação, alertando no entanto para o risco de “uma certa deslocação” de seguidores para outras plataformas e para a necessidade de “não agir como censor".
Jacob Davey lembrou ao The Guardian que a atividade da extrema-direita na Internet precisa de condições adequadas para crescer, do desemprego à habitação. “A extrema-direita dá a resposta fácil: 'A razão pela qual não tiveste um aumento de salário é por causa deste grupo aqui'."
Para Mulhall, impõe-se a criação urgente de uma estratégia de coesão comunitária, lançada pelo próprio governo central, que se estenda a nível local. "O multiculturalismo é exigente". "Quando [diferentes comunidades] interagem”, em clubes, parques ou bibliotecas, “a desinformação é mais difícil de espalhar”.
Davey defendeu “uma cooperação muito maior entre os departamentos governamentais”, assim como “ligações entre autoridades locais e polícia”. "Temos assistido a uma extrema-direita encorajada" pela ausência dessa cooperação, disse o investigador do ISD, recordando ataques recentes a centros de migrantes em Kirby e Dover. “Isto não surgiu do nada", afirmou, numa referência à violência dos últimos dias.
O editor da Prospect reforça o alerta sobre as redes sociais: “Corremos o risco de regressar sonâmbulos ao mundo analisado por Hannah Arendt, seis anos após a Segunda Guerra Mundial”. E conclui citando uma das obras-chave da filósofa, “As Origens do Totalitarismo”: “O sujeito ideal do regime totalitário não é o nazi convicto ou o comunista convicto, mas pessoas para quem a distinção entre facto e ficção, e distinção entre verdadeiro e falso já não existem.”
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