A defesa da "falsa" professora de Matemática, que deu aulas durante mais de 30 anos sem habilitações literárias, recorreu ao Supremo Tribunal Administrativo para contestar a sua demissão, avança a CNN Portugal.

No recurso consta que a Inspeção-Geral da Educação só abriu um inquérito quase seis meses depois da primeira das três denúncias anónimas contra Paula Pinto Pereira, tendo sido o processo disciplinar instaurado mais tarde.

Todas elas idênticas, a primeira denúncia foi conhecida no dia 12 de março de 2021 (e enviada também para o diretor-geral da Educação e para o Ministério Público), a segunda a 15 de março de 2021 e a terceira a 15 de julho do mesmo ano. No entanto, apenas a 24 de agosto foi aberto um inquérito, que foi concluído sete meses depois, a 29 de março de 2022.

Dois dias depois, a 1 de abril daquele ano, o processo disciplinar foi instaurado, culminando na decisão de demissão da professora e na exigência da devolução de cerca de 350 mil euros.

A lei não contempla prazos para a abertura do inquérito, mas prevê que os processos disciplinares sejam instaurados 60 dias após a queixa. De acordo com o artigo 178.º, n.º2 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), “o direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico”.

Na alegação, a defesa da docente lembra que, segundo a lei, os inquéritos visam apurar factos determinados, o que nesta situação não se verifica, dado que a docente foi identificada e acusada de mentir sobre a licenciatura que, alegadamente, completou na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), bem como sobre o mestrado e o doutoramento que dizia ter concluído.

Para a acusação ser válida, a defesa sustenta que a entidade empregadora deveria ter instaurado, de imediato, um processo disciplinar.

No recurso é ainda reforçado que se está perante factos prescritos no que diz respeito à entrega dos comprovativos de habilitações literárias falsos - entregues nos anos letivos de 1990/91, 1993 e 2002. Segundo a defesa, o artigo 178.º, n.º 1 da LTFP estabelece um prazo de prescrição longa (um ano a contar da prática dos factos).

Por todos estes motivos, a defesa conclui que a professora não pode ser punida (e, por isso, expulsa), considerando até que os seus superiores hierárquicos renunciaram a esse direito.

O que se sabe até agora?

No início desta semana, o Público noticiou o caso da professora de Matemática que lecionou durante mais de três décadas, sem qualificações para tal, e que, até recentemente, dava aulas na Escola Secundária Daniel Sampaio, na Sobreda da Caparica, na Margem Sul.

Após as denúncias, o inquérito e o processo disciplinar instaurados, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) expulsou-a do ensino no ano letivo passado e exigiu-lhe a devolução de 348.563,70 euros - valor que a trabalhadora terá recebido "de abril de 2003 a março de 2023 (últimos 20 anos)" - em tribunal.

A CNN Portugal conta que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (1.ª instância) considerou a decisão de demissão válida, mas absolveu a docente de pagar o montante por danos ao Estado.

A publicação avança que a ação foi declarada “parcialmente procedente” e determinada a anulação do “ato administrativo na parte em que impõe a devolução ao Estado da quantia de €348.563,70”. Na decisão considera-se ainda “a presente ação improcedente, por não provada”, absolvendo “a Entidade Demandada do pedido”.

A reversão da decisão obrigou o MECI a recorrer, no dia 21 de maio de 2024, para o Tribunal Central Administrativo Sul. Contudo, a 28 de agosto de 2024, o coletivo de três juízes manteve a decisão da 1.ª instância, considerando, mais uma vez, que Paula Pinto Pereira não tinha nada a devolver.

Questionado pela CNN Portugal, o Ministério da Educação garantiu que não vai desistir: "A devolução ao Estado destas quantias poderá sempre ser contestada pelo MECI e ser realizada no âmbito do processo-crime, ainda em curso, e/ou pela via administrativa através de procedimento administrativo para reposição de dinheiros públicos, procedimento já em desenvolvimento", cita a publicação.

A docente continua a ser suspeita de “ludibriar o Ministério da Educação” com “certificados de habilitações falsos”, que lhe permitiam dar aulas, chegar aos Quadros e atingir, ainda em 2003, o escalão máximo de remuneração (10.º), recebendo, nesta altura, um salário superior a dois mil euros líquidos.

Paula Pinto Pereira pode, por isso, ser julgada por crime de burla qualificada.

Apesar das acusações, a professora alega que concluiu mesmo uma licenciatura, um mestrado e um doutoramento. De acordo com o Diário de Notícias, dois colegas referiram que a professora dizia ter um mestrado em Cambridge, no Reino Unido, e ter concluído um doutoramento na Madeira.

Esta professora, que, além de lecionar, tem ainda vários manuais escolares da sua coautoria publicados - alguns certificados pela Sociedade Portuguesa de Matemática -, era muito valorizada por alunos, pais de alunos e colegas pelo seu bom desempenho.

Ao que se sabe, os manuais que Paula Pinto Pereira escreveu em colaboração com outros professores continuam a ser vendidos nas livrarias e a serem utilizados em aulas dos 11.º e 12.º anos, afirma a CNN Portugal.

Os manuais de Matemática e respetivos cadernos de atividades foram publicados pela Raiz Editora, que reiterou à publicação que, apesar das acusações, os manuais continuam válidos.

"Os dois manuais escolares de Matemática referidos foram alvo de revisão científica, pelo que a qualidade e o rigor dos seus conteúdos foram certificados e sempre estiveram salvaguardados", referiu.