“A minha posição é de que não é possível pagá-la, todos os cálculos [de redução da dívida pública] se baseiam em determinados níveis de taxas de juro, défices orçamentais primários, taxas de crescimento que não se vão verificar sempre”, afirmou Ferreira Leite, no grupo de trabalho sobre endividamento público e privado, no parlamento.

Além disso, acrescentou, mesmo que as condições atuais se continuassem a verificar – o que é muito improvável –, demoraria mais de 30 anos até Portugal pagar a dívida pública acumulada.

“Trinta e tal anos não é um projeto que se pode apresentar a um país e a uma sociedade”, frisou a ministra das Finanças no governo de Durão Barroso (PSD).

É que, considerou, ter uma situação orçamental equilibrada e não geradora de dívida é importante, mas também “tem custos importantes para a sociedade e para as pessoas”, como já se assiste na “degradação dos serviços públicos”.

A também economista e ex-presidente do PSD disse que hoje voltaria a assinar o "Manifesto dos 74", de 2014, que defendia a reestruturação da dívida (por redução significativa da taxa média de juro do ‘stock' da dívida, extensão de maturidades e reestruturação da dívida acima de 60% do PIB), apesar do “barulho” que então provocou e que considerou “mais político do que de conteúdo”.

A ex-ministra explicou que não defende que não se pague a dívida, mas, sim, “a reestruturação da dívida, negociações de determinada espécie e, especialmente, menos rigidez das instituições europeias”.

Segundo os últimos dados do Banco de Portugal, a dívida pública na ótica de Maastricht, a que conta para Bruxelas, atingiu em abril 126,3% do Produto Interno Bruto (PIB), acima do valor de dezembro de 2017 (125,7%).

Sobre as causas do endividamento excessivo, Ferreira Leite disse que contribuiu o custo barato do dinheiro após a entrada de Portugal na zona euro (devido às baixas taxas de juro) e o investimento em projetos de infraestruturas que considerou “muitos discutíveis”.

“Num concelho com 13 freguesias, que haja 13 piscinas é discutível”, afirmou, referindo ainda que nos custos de então não se contabilizou o custo de manter esses equipamentos, que é elevado.

Ferreira Leite disse que já quando era ministra, no início da década de 2000, e a dívida pública rondava nos 60% do PIB, já se discutia no Ministério das Finanças que o que havia ia levar a endividamento.

A economista recusou, contudo, apontar o dedo a executivos específicos, afirmando que “há um conjunto de factos que ocorreram ao longo dos anos e que afetaram muitos governos”, e criticou também as instâncias europeias que, aquando do início da última crise, pediram aumento da despesa e depois se tornaram rígidos nesse tema.

Ferreira Leite mostrou-se ainda preocupada com a arquitetura da zona euro por ser pouco adaptável a crises.