A Amnistia Internacional Portugal acusa o Governo de falta de transparência e ausência de diálogo com as populações na promoção de projetos de centrais fotovoltaicas no Alentejo e no Algarve, num documento que revela preocupações da economia local.

A investigação da Amnistia Internacional (AI) Portugal “Mega centrais solares: Quando a transição “verde” não é justa” sublinha a “contestação entre as populações” aos mega projetos em curso no sul país.

Segundo a organização, movimentos cívicos têm contestado o avanço destes projetos, inclusivamente nos tribunais, por temerem estar em causa os direitos das populações e a sustentabilidade do território, e não só a nível económico.
Um dos projetos visados no relatório é a Central Fotovoltaica Fernando Pessoa, em Santiago do Cacém, promovida pela elétrica espanhola Iberdrola.

“Se avançar, será o maior do país e da Europa. Vai ocupar mais de 1.200 hectares e a sua construção implica o abate de mais de um milhão e meio de árvores. Não é só a escala desta mega central que está a causar alarme social e ambiental, mas também a escolha dos terrenos que, neste e noutros casos, abrangem áreas classificadas como Reserva Ecológica Nacional (REN) e Reserva Agrícola Nacional (RAN)”, refere a AI no relatório hoje divulgado.

Segundo o documento, o critério para a localização das centrais é a proximidade a linhas de alta tensão, que possam injetar a energia produzida na rede, descurando impactos sociais e ambientais.

A AI Portugal questiona ainda a ‘luz verde’ dada pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) às duas centrais previstas para o Alentejo – há uma também projetada para a freguesia do Cercal – uma vez que a sua localização parece coincidir com áreas consideradas sensíveis pelo Ministério do Ambiente e Ação Climática.

“Mais a sul, no Algarve, está em processo de consulta pública um outro projeto que também está a criar polémica por causa da localização. A futura Central Fotovoltaica de Estói vai abranger os concelhos de Faro, Olhão, São Brás de Alportel e Tavira. Segundo a associação cívica Probaal, a maioria dos 156 hectares serão implementados em Reserva Ecológica Nacional”, acrescenta o relatório da AI.

A AI Portugal, que ouviu empresários, produtores e agricultores locais, cujos terrenos e atividades serão vizinhos das centrais projetadas, aponta as preocupações com os impactos nos solos e nas reservas aquíferas, referindo que a central do Algarve está projetada “para um vale que é uma zona de recarga de aquíferos, com impacto direito em ribeiras e no armazenamento de água nos solos”.

Com base nas informações obtidas junto de movimentos cívicos locais, a AI Portugal refere ainda falta de transparência no processo, pela dificuldade de acesso a documentos, que quando acontece, encontra uma linguagem técnica, que dificulta a participação das populações.

Critica-se ainda a falta de divulgação dos processos de consulta pública, que chegaram ao conhecimento dos cidadãos quando já tinha passado praticamente um mês para recolha de contributos e sem que tivesse havido divulgação pelas autarquias sobre a existência de um processo em curso.

Sobre as avaliações de impacte ambiental, a AI Portugal “chama a atenção para a maneira como estão a ser usados estes instrumentos e para o potencial desrespeito dos direitos das populações, do ambiente (como consta no artigo 66º da Constituição Portuguesa) e do próprio direito internacional”.

“A AI Portugal reconhece as vantagens da energia solar face à energia obtida a partir de combustíveis fósseis, mas apela a que os planos para o país sejam capazes de envolver toda a população, de forma inclusiva e transparente. A AI acredita que o respeito pelos direitos humanos e a justiça climática só são possíveis se as soluções forem capazes de manter o foco na sustentabilidade e o horizonte no planeta que queremos deixar às futuras gerações”, conclui o documento.