O humorista britânico radicado nos Estados Unidos, John Oliver, dedicou o episódio do passado domingo do programa da HBO “Last Week Tonight” (em Portugal passa na RTP3, às sextas à noite) às eleições francesas. E deixou um sentido apelo aos franceses: Don’t f**** up, que é como quem diz: não façam asneira.

Depois do trauma do Brexit e da eleição de Donald Trump, que apanhou uma vasta série de especialistas, comentadores, humoristas e jornalistas desprevenidos, John Oliver, que ganhou popularidade a explicar a política nacional e internacional, vira-se agora para os franceses e pede-lhes que não elejam Marine Le Pen nas presidências, cuja primeira volta é já este domingo, 23.

O episódio conta já com mais de 5 milhões de visualizações no YouTube. Nele, Oliver apresenta os candidatos. Começa com Jacques Cheminade, “que acusou a rainha [de Reino Unido da Grã Bretanha] de estar envolvida no tráfico de droga internacional” e compara o programa espacial francês a um enredo original da Guerra das Estrelas: “arrastamos geringonças obsoletas como o velho foguete de Star Wars. E se isso funciona em Star Wars, com o urso esquisito e Larry Skywalker, o mesmo não acontece na vida real”.

Ora, o urso esquisito, deduz John Oliver, é capaz de ser Chewbacca, um bicho hirsuto da saga criada por George Lucas. E Quanto ao Larry Skywalker, é bem provável que seja Luke Skywalker, personagem interpretada por Mark Hamill.

Depois há Jean Lassalle, o candidato “que é quase ofensivamente francês”, explica Oliver, ao lado de uma foto do líder do movimento Resistons! às presidenciais. Na imagem, Lassalle surge de camisa branca, boina negra e sorriso rasgado. Mas são os anúncios da campanha que fascinam o humorista: “ele anda de comboio num melancólico preto e branco, trabalha na sua quinta, dança por aí e depois lavra uma colina em tronco nu. Toda a sua vida parece uma tentativa de ganhar o programa ‘So you think you can France’”, numa alusão ao programa de talentos “Achas que Sabes Dançar”.

Mas são quatro os principais candidatos ao Eliseu. E é sobre esses quatro deu que John Oliver quer falar. Dois deles (se não contarmos com Manuel Valls, que foi afastado nas primárias do Partido Socialista) levaram já com quase metade dos ingredientes para fazer bons crêpes: Emmanuel Macron levou com os ovos, François Fillon com a farinha.

Farinha que sujou o fato do candidato do partido republicano. Porém, “sorte a dele”, diz a jornalista do ‘France 24’, tinha um fato suplente. O que no mínimo “não parece muito bem” quando se está sob suspeita de ter “recebido suborno” em forma de fatos no valor de milhares de euros, explica Oliver.

Segue-se o candidato da esquerda Jean-Luc Mélenchon, que se multiplicou em hologramas no início da corrida ao Eliseu, ou, como John Oliver lhe prefere chamar, “feitiçaria de alta tecnologia”.

Os dois últimos são os líderes nas sondagens: Emmanuel Macron (centro) e Marine Le Pen (direita). “O senhor Macron, que não é nem de esquerda nem de direita e é geralmente inofensivo para toda a população, não é super atrativo para ninguém”, explica Ian Bremmer, presidente do Eurasia Group, na Bloomberg, cujo soundbite Oliver recupera. Para o comediante, porém, o traço mais interessante do candidato do Em Marche! é só um: casou com a professora de Francês, vinte anos mais velha. O que lhe dá, aos 39 anos, sete netos.

E depois: Marine. Marine Le Pen, que está com medo de que os migrantes lhe vão a casa roubar o papel de parede. “Ninguém quer o teu papel de parede, pessoa catastroficamente estranha!”, atira-lhe Oliver, depois de explicar que a candidata está à procura de levar o secularismo a outro nível.

Com tantas ideias, com tantas promessas, Oliver começa a sentir um déjà vu: “um populista potencialmente desestabilizador, a fazer campanha baseado em retórica anti emigração, que se revolta contra as elites, apesar de ter um pai poderoso e ter herdado uma fortuna, mesmo enquanto todos os peritos nos asseguram de que não há forma de isto [Le Pen ser eleita] acontecer”. Segue-se um painel de especialistas a dizer isso mesmo: que não vai acontecer. Que os franceses não são os americanos. Que Marine não é Donald Trump.

Para John Oliver, contudo, isto parece saído de um filme clássico sobre tragédias. Tragédias que, contra todas as expetativas, contra toda a confiança, contra todas as certezas dos especialistas, acabam por acontecer (precisamente da forma como eles disseram que não ia acontecer).

A confiança de Oliver, porém, ressente-se na ameaça de abstenção. Grande abstenção. Com um terço dos franceses a ponderar ficar em casa, o humorista teme que “os eleitores muito motivados [de Le Pen] a ponham no cargo. E isso pode ser mau para muita gente.” Segue-se, então, o apelo.

O apelo ao ego francês. Os croissants perfeitos, quando comparados com as sandes americanas, os vinhos superiores aos britânicos, que mais não são que sumo de uva com a urina de Michael Caine. “Vocês em França adoram agir como se fossem melhor que a Grã-Bretanha os Estados Unidos, bem, agora têm a oportunidade de provar isso!”, diz Oliver.

“Nós [EUA e Reino Unido] fizemos opções populistas e nativistas com o Brexit e Trump. E para ser honesto, até agora não está a correr lá muito bem. Agora têm a vossa própria escolha populista e nativista e imaginem o quão superiores se vão poder sentir se não cometerem o mesmo erro que nós. Eu gostava de vos conseguir convencer melhor, mas sei que não gostam de gestos exagerados. Por isso, permitam-me convencer-vos da forma elegante e comedida que vocês preferem. Por isso, juntem-se a mim, França. Juntem-se a mim neste bistro, vamos beber vinho e fumar na cara uns dos outros”, diz o comediante enquanto a imagem fica a preto e branco, a toalha branca se desenrola sobre a mesa, com velas, um copo de vinho, concertina a melancólica a chorar, e um irremediável cigarro já nos lábios do apresentador.

Num francês metálico, John Oliver dirige-se aos eleitores que no próximo domingo decidem o futuro do país, da Europa e também do mundo:

“Bom dia, França. Eu sei que um homem inglês a falar num programa de televisão americano sobre a República Francesa é basicamente a kryptonite de França. É por isso que estou a falar convosco em francês neste momento, apesar de saber que estou a fazer a vossa língua elegante soar a um remake do filme “Amélie” pelo Guy Richie. Mas por favor, ouçam-me: a Grã-Bretanha e os Estados Unidos fizeram asneira. Não façam asneira vocês também. 

A Marine Le Pen é — como é que se diz em francês? — um olho do cu demagógico. Um monstruoso olho do cu demagógico. Vocês valem mais do que isso! Esta é a vossa chance de honrar a filosofia francesa do Iluminismo, para mostrar a todo o mundo que os ideais franceses da liberdade, igualdade e fraternidade, ficam bem juntos como… Larry Skywalker e, claro, aquela espécie estranha de urso.

Ajudem-nos, França - são a nossa única esperança.”