Numa entrevista à agência Lusa, à margem da III Conferência do Horasis Global Visions Community, que decorre desde sábado no Centro de Congresso do Estoril e termina na manhã de terça-feira, Sello considerou mesmo que a palavra “corrupção” é a que melhor define os quase dez anos de presidência de Jacob Zuma.
Para Sello, há uma “ira internacional justificada” contra a África do Sul, sobretudo depois do fim da presidência do primeiro chefe de Estado negro da África do Sul, Nelson Mandela (1994/99), conhecido localmente também por “Madiba”, em que a esperança de que tudo era possível acabou, depois, por desvanecer-se.
“A ira é justificada. Eu consigo senti-la. Uma das coisas que aconteceu é que cometemos muitos erros. Cometemos esses erros porque demos demasiado poder aos políticos e aos partidos políticos. Os cidadãos deram-lhes liberdade”, sublinhou o homem que Mandela, que morreu a 05 de dezembro de 2013 aos 95 anos, indicou para o substituir na liderança da Fundação.
“A queda do inimigo [‘apartheid’ — sistema de segregação racial], em 1994, trouxe-nos a liderança de Mandela até 1999. Isso deu-nos a ideia de que poderíamos fazer o que quiséssemos, que éramos excecionais, diferentes de todos os outros países do continente africano. Como consequência, relaxamos e nem conseguimos atingir os mais pequenos objetivos para responder aos que agora estão zangados: os pobres e os vulneráveis”, argumentou.
Questionando-se sobre como foi possível Jacob Zuma, Presidente sul-africano entre 2009 e 2018, desbaratar todo o legado de Mandela, que Thabo Mbeki ainda prosseguiu entre 1999 e 2009, Sello lamentou o facto de os cidadãos se terem alheado da política, permitindo às elites do poder “servirem-se da África do Sul”.
“Tivemos líderes que não foram servidores, líderes que só se serviram em favor dos seus interesses pessoais, das suas famílias e dos interesses empresariais, em vez que criarem uma grande África do Sul”, frisou, apontando a Zuma que, no início, assumiu, ainda fez “algumas coisas brilhantes”, como a redução da violência.
“Mas não há dúvida de que, depois, levou o país por um caminho diferente”, declarou, apontando a “esperança” trazida pelo novo Presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, “na construção de uma nova e grande África do Sul”.
Zuma foi afastado a 14 de fevereiro desde ano da Presidência da África do Sul por um Parlamento dominado pelo ANC, deixando um legado contrário aos ideais do movimento que lutou décadas contra o “apartheid” e ficou já na História sul-africana como o “Presidente corrupto”.
A um ano do final do segundo mandato presidencial, Zuma, 75 anos, não resistiu à ambição política de Ramaphosa, que tem em vista as presidenciais de 2019.
Para tal, necessita de recuperar o eleitorado do ANC, descrente, pelo que o afastamento de Zuma, a pouco mais de um ano da votação, dar-lhe-á aparentemente o tempo para voltar a convencer a maioria negra de que o ANC é o melhor para o país.
Zuma foi também vítima das suas próprias ações empresariais. Desde 2005 que são muitas as acusações de corrupção e de subornos envolvendo todas as áreas de interesse económico do país, sobretudo as ligadas a uma das famílias empresariais mais poderosas da África do Sul, a dos três irmãos Gupta. Os casos estão todos em tribunal.
Para Sello, se Ramaphosa, vencer as eleições de 2019, os cinco anos seguintes têm de ter em conta a boa governação, e os combates à pobreza e à desigualdade, sob a “vigilância muito atenta” dos cidadãos para evitar “os erros do passado” de Zuma.
“Chegou o tempo de a África do Sul parar e pensar no que fazer. Ramaphosa tem vindo a dizer, com consistência, que quer assumir as suas responsabilidades para com a África do Sul. E que os que estão zangados devem canalizar a energia para ajudar o país a tornar-se grande outra vez”, sugeriu.
Sello disse não acreditar que Ramaphosa possa seguir o mesmo caminho de Zuma — “está rodeado de boa gente, de gente que quer, de facto, mudar a África do Sul” -, mas destacou que, sem uma grande participação cívica na fiscalização, as coisas podem descarrilar.
Sobre o papel que a Fundação pode desempenhar nesse caminho, Sello destacou as ações já em curso, no combate à pobreza, desigualdade, violência baseada no género e violência, no geral — “está outra vez em crescendo” -, e também ao racismo — “algo de que nos temos esquecido de lidar, que ainda provoca divisões na nossa sociedade”.
“Ainda estamos todos feridos e ainda estamos todos a sarar as feridas”, disse, aludindo aos 24 anos já passados sobre o fim do “apartheid” na África do Sul.
Questionado pela Lusa sobre se todas as acusações de corrupção que pendem sobre Zuma podem condicionar a vitória do ANC nas eleições gerais de 2019 — o partido no poder na África do Sul venceu com maioria absoluta todas as votações desde 1994 -, Sello, admitiu que sim, mas que “dificilmente perderá” o poder.
“A verdade é que as pessoas estão desligadas [da política]. Acredito que ganhe, mas por uma margem muito menor de votos. Passa pela forma como o ANC conseguir trazer também os cidadãos para uma participação ativa e de como Ramaphosa conseguir recuperar os eleitores descontentes. Mas tenho muita esperança em Ramaphosa”, frisou.
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