A aprovação do orçamento da União Europeia (UE) para 2021-2027 e do Fundo de Recuperação foi bloqueada pela Hungria e Polónia, que discordam da condicionalidade no acesso aos fundos comunitários ao respeito pelo Estado de direito.

Húngaros e polacos, sem força para vetar o mecanismo sobre o Estado de direito, que necessita apenas de uma maioria qualificada para ser aprovado, vetaram então outra matéria sobre a qual não têm quaisquer reservas, a dos recursos próprios, que requer, esta sim, unanimidade, bloqueando todo o processo.

Hungria e Polónia receberam o apoio da Eslovénia, que embora não ameace vetar o acordo, afirma compreender a posição daqueles países.

Para o especialista em Direito Europeu Miguel Poiares Maduro, a introdução de um mecanismo de recurso rápido de eventuais propostas de sanções para o Tribunal de Justiça da UE permitiria responder ao argumento daqueles países de que a avaliação do Estado de direito nos Estados-membros deve ser uma questão jurídica e não política, e, ao mesmo tempo, “não ceder a estes Estados” e manter o princípio do respeito pelos valores europeus na UE.

“Utilizando a questão que sobretudo o primeiro-ministro esloveno veio levantar, que decidir se há ou não uma violação do Estado de direito cabe a um tribunal, uma das hipóteses podia ser permitir um mecanismo de recurso ‘fast tracking’ [rápido] da proposta” de aplicar sanções, explicou.

“Prever que um Estado-membro que fosse sujeito a essa sanção tivesse uma hipótese de recurso durante o processo, até antes da decisão do Conselho, ou eventualmente até permitindo ao Conselho suscitar a questão ao Tribunal de Justiça da UE”, acrescentou.

Algo semelhante a uma providência cautelar, em que “um Estado-membro podia solicitar a suspensão da decisão perante o Conselho para que o Tribunal de Justiça se pronunciasse se efetivamente existia uma situação de violação dos direitos fundamentais por parte desse Estado”.

Um tal mecanismo seria tanto mais “preferível” porque não implicaria uma revisão dos tratados, desde que fosse incluída no regulamento que prevê a possibilidade de suspensão dos fundos a disposição de que esta “não ocorresse enquanto o recurso estiver a ser apreciado”, ao abrigo de um “processo acelerado previsto nos estatutos do Tribunal”.

A iniciativa deveria ser complementada, na opinião de Poiares Maduro, por um regime que garanta que “as instituições que certificam a utilização dos fundos a nível nacional […] seriam instituições independentes, que a independência de quem as geria fosse certificada a nível europeu, como acontece em parte já com os bancos centrais e em parte ainda mais com os membros que os Estados indicam, por exemplo, para a Procuradoria Europeia ou para o Tribunal de Justiça”.

“No fundo, um mecanismo de controlo interno, dos Estados, […] que permitia garantir desde logo que esses fundos não seriam capturados politicamente”, uma vez que nos Estados-membros em causa “uma das questões que se coloca “é que frequentemente os fundos têm sido utilizados por esses governos para fortalecer o seu poder e favorecer aqueles que lhes são próximos”.

Este regime podia ser rapidamente decidido, “até pode quase ser negociado com base nos programas com os Estados-membros” no âmbito da aplicação dos regulamentos.

O especialista afasta por outro lado hipóteses de resolução do impasse que têm sido avançadas, como a de uma declaração política, tornando juridicamente mais preciso o mecanismo da condicionalidade dos fundos, ou a de uma cooperação reforçada para aprovar o orçamento plurianual e o Fundo de Recuperação.

A cooperação reforçada é um procedimento em que um mínimo de nove países da UE é autorizado a instituir uma cooperação avançada numa determinada área, sem a participação dos restantes países-membros, para ultrapassar situações de paralisia.

Em relação a uma declaração política, Poiares Maduro tem dúvidas de que seja aceite pela Hungria ou pela Polónia: “Não acho que isso seja suficiente para esses Estados-membros”.

Já quanto a uma cooperação reforçada, o especialista admite que a possibilidade esteja a ser utilizada “apenas como mecanismo negocial”, “para tornar claro à Hungria e à Polónia […] que, caso se queiram opor, os outros Estados podem encontrar uma forma alternativa, ou por via de cooperação reforçada, ou através, como já aconteceu no passado, de mecanismos intergovernamentais”.

“Preferia que não fosse este mecanismo. Por um lado, não gosto dessa lógica de recorrer a um mecanismo intergovernamental fora dos tratados, e não seria útil”, afirmou, apontando os custos que uma tal solução envolve.

“Desde logo para estes Estados-membros, mas também tem custos eventualmente na reputação da UE nestes Estados-membros, porque é natural que estes governos populistas instrumentalizem isso contra a UE”, concluiu.

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