"É incrível o que ele fez a partir de 28 de julho de 1821, após a sua apresentação formal de credenciais. Em apenas três semanas, passou à história e, com isso, à imortalidade", conta à Lusa o historiador argentino, Guillermo Cao.
João Manuel de Figueiredo entregou a carta de "Reconhecimento da Independência por parte de Sua Majestade Fidelíssima o Rei de Portugal D. João VI", em 28 de julho, ao apresentar as suas credenciais como o primeiro cônsul de Portugal ao então ministro de Governo e Relações Exteriores, Bernardino Rivadavia, que, em 1826, seria o primeiro Presidente constitucional das Províncias Unidas do Rio da Prata, hoje Argentina.
No dia seguinte, Figueiredo participou mo funeral do General Manuel Belgrano, autor da bandeira argentina e quem, em conjunto com o general San Martín, é o máximo herói da Independência de 1816.
Duas semanas depois, em 11 de agosto, Figueiredo também entregou, às autoridades chilenas em Buenos Aires, o reconhecimento de Portugal da independência do Chile. No dia seguinte, participou na inauguração da Universidade de Buenos Aires.
Nove dias depois, em 21 de agosto, morreu de forma repentina na sua casa, a 300 metros do convento de Santo Domingo, onde permanece sepultado, justamente ao lado do general Manuel Belgrano.
"Estão no mesmo lugar. Isso chama poderosamente a atenção dos historiadores. João Manuel de Figueiredo foi partícipe de um feito fundamental como o primeiro reconhecimento de uma potência europeia da Independência argentina", destaca Guillermo Cao.
"A simbologia do facto de os restos mortais do primeiro cônsul português na Argentina estarem ao lado do túmulo do general Belgrano é um sinal do papel de relevo que Figueiredo teve na sociedade argentina. Ele tem esta honra de estar também ao lado de uma das figuras mais importantes da História da Argentina", aponta à Lusa o embaixador português na Argentina, José Ludovice.
"O exemplo de Figueiredo é muito importante para os diplomatas portugueses e para mim em particular. É uma honra ser seu sucessor", acrescenta.
João Manuel de Figueiredo, natural do Porto, era um comerciante radicado em Buenos Aires desde 1814. Tinha fortes laços comerciais com o influente Juan Larrea, um catalão que integrou a chamada "Primeira Junta", primeiro Governo que resultou da Revolução de Maio de 1810, que destituiu o vice-rei espanhol Baltasar Hidalgo de Cisneros, dando início ao processo de Independência.
Em 1820, Figueiredo retornou ao Rio de Janeiro, então capital do Reino, estabelecido cinco anos antes. A Corte portuguesa concedeu-lhe o cargo de cônsul em Buenos Aires, mas a sua partida foi atrasada.
Ainda no Rio de Janeiro, em 16 de abril de 1821, o então ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Silvestre Pinheiro Ferreira, um liberal, entregou-lhe uma carta com as instruções para o posto que incluíam o primeiro reconhecimento de um país, as Províncias Unidas do Rio da Prata.
O Rei D. João VI retornaria a Portugal 10 dias depois, após a Revolução Liberal do Porto em 1820, que exigia a volta do Rei e o estabelecimento de uma monarquia constitucional.
Na carta, Pinheiro Ferreira conta que "a partir de agora, os agentes, comerciais ou diplomáticos, desse Governo serão recebidos e tratados pela Corte portuguesa com todas as honras, considerações e créditos" e anuncia que "Sua Majestade não hesitará em reconhecer a independência dos Estados vizinhos ao Reino do Brasil que forem estabelecidos, instalados e obedecidos pelos seus respetivos povos".
"O Rei sempre quis manter relações estreitas com os povos vizinhos ao Reino do Brasil", escreveu o ministro português, destacando que "as Províncias de Buenos Aires ocupavam, incontestavelmente, o primeiro lugar".
“Foi o primeiro oficial de uma potência europeia, abrindo o caminho para outros. Além disso, permitiu a Buenos Aires ter um reconhecimento importante no contexto regional porque as Províncias Unidas do Rio da Prata, hoje a Argentina, foram o primeiro país na América do Sul a terem a sua Independência reconhecida", valoriza o historiador Guillermo Cao.
"Por estar nesta região, Portugal tinha uma visão mais próxima do que acontecia no continente. Aconselhada por Silvestre Pinheiro Ferreyra, a Corte portuguesa percebe que precisa inserir-se na América e vincular-se com os países que vão surgir. O reconhecimento de Portugal levou outras potências darem esse passo", indica à Lusa o historiador Roberto Azaretto.
O diplomata dos Estados Unidos em Buenos Aires, John Murray Forbes, disse ao então secretário de Estado, John Quincy Adams, quem se tornaria Presidente cinco anos depois: "João Manuel de Figueiredo desapareceu subitamente da política e desta vida na manhã do dia 21 de agosto, enquanto andava pelo salão da sua casa, à espera do pequeno-almoço. Caiu repentinamente morto".
O “Governo ordenou uma autópsia e, abertas as suas entranhas por um cirurgião na presença de um grupo de altos funcionários, o seu intestino e o seu estômago estavam em estado normal, concluindo que faleceu por um ataque apoplético (acidente vascular cerebral)", concluiu.
* Por Márcio Resende, da agência Lusa
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