Diário de um pai em casa. Dia 31


Há patos a passearem na Avenida António Augusto Aguiar, em Lisboa. Eu vi um. Um pato-real. A cor verde da cabeça denuncia a masculinidade.

O encontro deu-se no passado sábado. Publiquei o registo no Facebook. Amigos nada virtuais, viram hoje outros exemplares e inseriram a prova documental na minha rede social. No hiato de tempo, há quem tenha comentado, nos seus post, terem visto lebres e esquilos em terrenos há muito confiscados por nós.

Isto não é uma alucinação individual, nem coletiva. São os sinais dos tempos desta nova normalidade.

As pessoas estão em casa, em quarentena. Não se movimentam. Vivem vidas ascetas numa comunhão restrita ao seu agregado familiar. E esta ave, e outros animais começam a, aos poucos, pisarem, ora, território alheio por onde nunca andaram, ora, espaços que os seus antepassados frequentaram.

Os patos, caminham isoladamente, ou em pares. Alheios às ruas marcadas por ausência humana, indiferentes aos semáforos que regulam um trânsito que não existe, suavemente, abanam as penas e a cauda. Caminham pelas pedras da calçada. Cabem todos neste passeio. Patos e patinhos feios. Vindos dos jardins da Gulbenkian, do lado do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão. Como se quisessem ir ao Corte Inglês. Que está fechado, com a exceção do supermercado.

Desde a minha infância que vejo os patos naquele pulmão verde que respira filantropia e cultura. Ali, banham-se nos lagos e confraternizam com o Homem, que os alimenta. Agora, em 2020, deambulam pelas nas ruas outrora movimentadas e apanham pequenas migalhas de comida que disputam com pombos.

Hoje é um bom dia para ler, ao serão, a versão escolar de “Os Bichos”, de Miguel Torga. Vou fazê-lo com o benjamim da família, o António, que hoje, pela enésima vez, perguntou-me que dia é hoje. Está respondido. É dia de ler a obra de Torga, para crianças. Porque, afinal, o meu filho estava comigo quando vimos o pato. Em plena António Augusto Aguiar.

créditos: Miguel Morgado | MadreMedia

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