Quem, entre os 60 milhões de italianos, teria acreditado na necessidade de um confinamento restrito, que ninguém sabe quando irá terminar? Que o silêncio tomaria conta do país, que as gôndolas ficariam ancoradas em Veneza e que se ouviriam os pássaros em Roma e Milão?
No dia da morte de Adriano Trevisan, um pedreiro reformado de 78 anos, que adorava pescar e jogar às cartas no bar com os amigos da vila de Vo, em Veneto, os estilistas Versace e Frankie Morello apresentavam a sua coleção de outono em Milão, os adeptos da Lazio sonhavam com um título, e nos bares e restaurantes lotados debatia-se a fragilidade do governo de Giuseppe Conte.
Os turistas apressavam-se para o Fórum de César, onde acabava de ser descoberto um sarcófago, que poderia ser o do fundador da Cidade Eterna, Rómulo. E o instituto de estatística apresentava boas notícias: os pedidos para a indústria italiana tinham aumentado 6% em dezembro.
É certo que, numa dúzia de municípios do norte do país, medidas de contenção começavam a ser tomadas, principalmente em Codogno, perto de Lodi, onde os jornalistas se aglomeravam, muitas vezes sem máscaras.
Mas o primeiro-ministro Giuseppe Conte tranquilizou seus compatriotas: "Tudo está sob controlo".
No dia seguinte à morte de Adriano Trevisan, os jornais dedicaram as suas manchetes ao coronavírus: "O contágio assusta a Itália" (La Stampa), "O medo no Norte" (La Repubblica).
Mas esse medo não se ia apoderar dos italianos até ao fim de semana de 7 e 8 de março, quando, face a um forte aumento dos casos no norte, especialmente na Lombardia, medidas de contenção foram impostas a 10 milhões de habitantes.
Milhares de pessoas fugiram, muitas delas para o sul de onde vêm. Entre os casos positivos na Apúlia, o calcanhar da bota italiana, muitos são parentes daqueles que participaram desse êxodo. 26 pessoas morreram nesta região.
Na noite de 9 e 10 de março, no discurso oficial, Giuseppe Conte estendeu o confinamento a todo o país. Negócios não essenciais são fechados, viagens autorizadas apenas por razões profissionais ou imperativas, reuniões proibidas. Os resultados serão visíveis após duas semanas, prevê então o governante.
Decisões surreais para muitos. No dia seguinte, na Sicília, participantes de um funeral são multados. Gianfilippo Bancheri, autarca de Delia, uma pequena cidade da ilha, aparece furioso num vídeo no Facebook que se torna viral: "Quando me dizem, senhor presidente, você não deve alarmar as pessoas! Mas é uma pandemia! Não é uma epidemia, uma pandemia! E não devemos alarmar as pessoas?".
Os italianos acompanham os balanços diários cada vez mais duros, na sexta-feira foi ultrapassada a marca de 600 mortos em 24 horas.
As igrejas estão fechadas, formam-se filas nas entradas dos supermercados, onde se entra gota a gota, os velórios resumem-se a uma benção na maior privacidade. A polícia realiza agora 200.000 controles todos os dias. O exército em breve pode apoiá-la nessa rotina.
Atordoados com o discurso de Giuseppe Conte, os italianos entenderam o alerta. E observam, assustados, os vizinhos franceses comemorando aos milhares nas ruas a qualificação do PSG na Liga dos Campeões ou realizando eleições municipais.
Fazem vídeos para avisar o resto do mundo: "O nosso presente é o seu futuro".
As medidas de contenção, inicialmente tomadas até 3 de abril, serão estendidas. E são apoiadas por quase todos os cidadãos, de acordo com uma sondagem publicada quinta-feira pelo La Repubblica.
"Eu fico em casa" é o novo slogan dos italianos que, desde 10 de março, se colocam na varanda ou na janela para cantar ou aplaudir os profissionais da saúde.
Mas, na opinião do vice-presidente da Cruz Vermelha chinesa, Sun Shuopeng, que veio trazer para os italianos sua experiência com a pandemia em seu país, "as medidas tomadas aqui não são suficientemente restritivas: deve-se parar com tudo. Todos têm que ficar em casa", advertiu na quinta-feira.
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