“Tenho 52 anos e não me lembro de uma proposta tão radical do ponto de vista político. Tão radical da invasão do domínio daquilo que é a propriedade privada e de decretar, sem mais, o fim do alojamento local. Estas imposições e estas proibições não nos poderão levar a lado nenhum”, afirmou Carlos Moedas (PSD).

O presidente da Câmara Municipal de Lisboa falava no encerramento da conferência “Mais Habitação – Proteção, regulação ou travão”, organizada pelo Jornal Económico e pelo Novo Semanário, com o apoio da sociedade de advogados CMS e da agência imobiliária Fine & Country.

Durante a intervenção, Carlos Moedas destacou o papel das autarquias em matéria de habitação e voltou a lamentar que o município não tenha sido consultado antes do anúncio do programa Mais Habitação, apresentado pelo Governo em 16 de fevereiro.

“O pecado original do que estiveram a discutir aqui esta manhã é que nada foi discutido com as autarquias. Ou seja, aqueles que têm a proximidade do dia-a-dia com as pessoas. Aqueles que conhecem os problemas da habitação, como ninguém, não foram consultados pelo Governo. Eu não recebi nem uma chamada do Governo”, criticou.

Referindo-se a algumas medidas previstas na proposta do Governo, como arrendamento forçado de casas devolutas, Carlos Moedas defendeu que deve ser o Estado a “dar o exemplo” antes de “exigir seja o que for dos privados”.

“O Estado vem dizer que vamos obrigar os privados a arrendar os seus devolutos, mas as câmaras municipais e o próprio Estado não arrendam os seus devolutos e têm-nos na cidade”, questionou, sublinhando que “só depois de dar o exemplo” é que haverá “cara de pedir aos privados”.

O presidente da Câmara de Lisboa apelou também para que se deixe a “ideologia político partidária fora da discussão sobre habitação” e defendeu soluções que envolvam parceiros públicos, privados e do setor social.

“Nós não podemos avançar com políticas públicas sem ter as pessoas. Para ter as pessoas nós temos de estar a fazer com as pessoas. O problema da habitação tem de ser resolvido de forma diversificada e o setor privado tem de ajudar”, defendeu.

Falando em concreto sobre o município de Lisboa e sobre o défice de habitações municipais, Carlos Moedas referiu que entre 2010 e 2020 foram construídas em média, por ano, na cidade, 17 fogos, contra os 901 que tinham sido construídos na década anterior (2000-2010).

“Há aqui um desastre. Há aqui algo que correu muito mal na década de 2010 a 2020. Isto são números. Não estou a fazer nenhuma afirmação política”, ressalvou.

Ainda a propósito de medidas municipais no âmbito da habitação, o autarca recordou que o município está a construir e a reabilitar habitações para aumentar a oferta pública e insistiu na necessidade de isentar os jovens do IMT (Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis).

“É um sinal, porque as pessoas não aguentam pagar mais impostos. Eu como presidente da Câmara quero dar sinais às pessoas. Eu quero voltar a levar à câmara esta medida e espero realmente ter o apoio, desta vez, e conseguir que os jovens até aos 35 anos sejam isentos do IMT. Portanto, vamos voltar a levar esta medida e fazê-lo sem ter nenhum problema ideológico”, apontou.

A proposta da liderança do executivo municipal é isentar do pagamento do IMT os jovens até aos 35 anos para aquisição de habitação própria, no valor máximo de 250 mil euros.

Na sua intervenção, o autarca referiu ainda que foram identificadas duas mil famílias a viver de forma “indigna” em Lisboa e que o objetivo passa por “acabar com essa indignidade", prevendo-se a regeneração de 34 zonas da cidade.

Em 16 de fevereiro, o primeiro-ministro, António Costa (PS), apresentou um pacote de medidas, estimado em 900 milhões de euros, para responder à crise da habitação em Portugal, inseridas no programa Mais Habitação, com cinco eixos de atuação: aumentar a oferta de imóveis utilizados para fins de habitação, simplificar os processos de licenciamento, aumentar o número de casas no mercado de arrendamento, combater a especulação e proteger as famílias.

O programa Mais Habitação foi aprovado em Conselho de Ministros e ficará em discussão pública durante um mês. As propostas voltarão a Conselho de Ministros para aprovação final, em 16 de março, e depois algumas medidas ainda terão de passar pela Assembleia da República.

Entre as medidas anunciadas estão alterações no setor do alojamento, inclusive a proibição de novas licenças e a decisão de que as atuais licenças “serão sujeitas a reavaliação em 2030” e, depois dessa data, periodicamente, de cinco em cinco anos.