O Aeroporto de São Francisco, nos Estados Unidos, inaugurou esta terça-feira um novo terminal — e dedicou-o a Harvey Milk, um lutador pelos direitos humanos, que nos anos 1970 se tornou no primeiro homem gay assumido a ser eleito para um cargo público na Califórnia, Estados Unidos da América.

O Harvey Milk Terminal 1 torna-se, assim, no primeiro terminal do mundo com o nome de um membro da comunidade LGBTI+. Custou 2,14 mil milhões de euros.

“O Harvey Milk Terminal 1 incorpora tudo o que torna esta região tão especial: um espírito de inovação, um foco no ambiente e, acima de tudo, um compromisso com a diversidade, a igualdade e a inclusão. Espero que os viajantes de todo o mundo se inspirem pela história de Harvey Milk no terminal que perpetua o seu nome”, disse Ivar C. Satero, diretor do Aeroporto Internacional de São Francisco.

Durante 11 meses, Harvey Milk integrou o Conselho de Supervisores de São Francisco até ser assassinado, juntamente com o presidente da câmara da cidade, George Moscone, em 1978.

Milk sabia dos riscos que corria. Nove dias antes de morrer, gravou um testamento que deveria “ser ouvido apenas no caso do seu assassínio”: “A minha eleição deu a alguém – a mais uma pessoa – esperança. Afinal, é disso que se trata. Não é sobre o benefício pessoal. Não é sobre o ego. Não é sobre o poder. É sobre dar aos jovens… esperança. Têm de lhes dar esperança.”

O ponto de destaque do novo terminal é a exposição Harvey Milk: Mensageiro de Esperança, que homenageia o líder dos direitos civis e o seu impacto nos direitos da comunidade LGBTI+. Abrangendo quase 120 metros, inclui cem imagens de Milk – muitas destas conseguidas através do público – assim como arte e lembranças do falecido.

Este terminal inclui ainda a primeira casa de banho de aeroporto multiusos e para todos os géneros.

Mas quem foi este homem? Milk lutou pela igualdade. Acreditava que os governos devem representar as pessoas e não apenas os interesses dos poderosos. Para isso, defendia a participação de pessoas LGBT e de outras minorias no processo político.

Assim, acreditava que quantos mais homossexuais se assumissem publicamente, mais os seus familiares e amigos iram defender a proteção de direitos iguais para todos.

Harvey nasceu a 22 de maio de 1930 em Woodmere, Nova Iorque. Os pais, judeus de origem lituana, eram também eles membros ativos e populares na comunidade. O jovem Milk também cedo se destacou. Nos final dos anos 1940, no jornal da universidade, assinava uma coluna de opinião onde abordava questões de diversidade, refletindo também sobre as lições que o fim da segunda guerra mundial.

Depois de concluir os estudos, em 1951, juntou-se à Marinha norte-americana. Em 1955, porém, abdicou da posição de Tenente Junior, quando foi oficialmente questionado acerca da sua sexualidade.

Desde os tempos da escola secundária que Milk sabia ser homossexual. Isso não o impediu de ser um aluno popular, jogando futebol americano ou praticando ópera.

Com a saída da armada, Harvey Milk começou o serviço civil em Nova Iorque como professor em Long Island e analista de ações. Para além disso, era assistente de produção na Broadway, o epicentro do teatro na cidade da costa leste norte-americana — trabalhou com “Jesus Cristo Superstar” e “Hair”, por exemplo.

Nos anos 1960, começou a envolver-se cada vez mais na vida política, lutando também contra a guerra que os Estados Unidos travavam no Vietname.

Já em 1972, atravessou o país e mudou-se para São Francisco, na costa oeste. Abriu uma loja de fotografia na rua Castro — no coração da crescente comunidade gay daquela cidade norte-americana. E também ali, Milk consegui encantar quem o rodeava, tornando-se numa figura popular pelo sentido de humor e teatralidade.

Tudo menos pusilânime, pouco menos de um ano após chegar a São Francisco, Milk estava a candidatar-se a um cargo público: o Conselho de Supervisores de São Francisco. Acabou por perder a eleição, mas consegui mostrar que era uma voz a ter em conta.

Criou uma associação composta sobretudo por comerciantes homossexuais (a primeira do género nos Estados Unidos), depois de alguns comerciantes locais tentarem impedir que dois homens gay abrissem uma loja. Em 1974, organizou mesmo a Castro Street Fair, para atrair mais pessoas aos negócios daquela zona.

O sucesso da iniciativa é considerado como uma base de poder para os comerciantes homossexuais, ao mesmo tempo que delineou o caminho para outras comunidades LGBTI+, como conta a biografia na página da fundação com o seu nome.

Em 1975, tentou nova eleição para o Conselho de Supervisores de São Francisco. Perdeu — mas por pouco. Por esta altura, era já o porta voz da comunidade LGBTI+ de Castro.

Então, o seu amigo e aliado George Moscone, presidente da autarquia de São Francisco, nomeou-o para o conselho de licenças da cidade. Milk tornou-se, assim, no primeiro homossexual assumido no cargo de comissário de uma cidade norte-americana.

Tentou ser eleito para a assembleia estadual. Perdeu. Após ajudar a implementar mudanças na forma como a eleição era feita, em 1977 consegue finalmente ser eleito para o Conselho de Supervisores de São Francisco. Tomou posse a 9 de janeiro de 1978 — numa importante vitória para a comunidade LGBTI+.

Mas em novembro de 1978, um antigo supervisor de São Francisco assassinou Harvey Milk e George Moscone.

Milhares juntaram-se numa vigília silenciosa. Uma homenagem a um homem que lutou pela igualdade. “Não vamos conquistar os nossos ficando em silêncio nos nossos armários… Estamos a sair para lutar contra as mentiras, os mitos, as distorções. Estamos a sair para contar as verdades sobre os homossexuais. Estou cansado da conspiração do silêncio, por isso vou falar sobre isto. E quero que vocês falem sobre isto. Têm de sair”, defendeu Milk num dos seus discursos.

Uma das frases mais marcantes de Milk está num vídeo do seu testamento. Ciente do risco que corria — as ameaças de morte eram diárias — gravou várias versões do seu testamento, para serem lidas na eventualidade de ser vítima de homicídio. Dizia ele “Se uma bala entrar no meu cérebro, deixem que essa bala destrua as portas de todos os armários”.

Com efeito, no dia em que foi assassinado, vários homossexuais assumiram-se como tal.

A inspiração de Milk prolongou-se para além da sua morte. Em 2009, o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, assinou uma lei que cria o "Dia de Harvey Milk", em reconhecimento ao primeiro político abertamente homossexual nos Estados Unidos da América.

A efeméride é assinalada a 22 de maio, data de nascimento de Milk que foi o primeiro autarca homossexual de São Francisco. A lei assinada por Schwarzenegger suscitou polémica na Califórnia, tendo o governador recebido mais de cem mil telefonemas e correios eletrónicos com opiniões sobre a lei, na maioria contra.

Foi a primeira vez que um Estado norte-americano homenageou oficialmente uma pessoa abertamente homossexual.

Um ano antes, o filme ‘Milk’, de Gus Van Sant, foi eleito o melhor filme de 2008 pelos críticos de Nova Iorque. "Milk", filme biográfico sobre o defensor dos direitos dos homossexuais Harvey Milk, foi considerado o melhor filme e o ator Sean Penn o melhor ator por ter interpretado o papel do ex-autarca. Josh Brolin venceu na categoria de melhor actor secundário neste mesmo filme.

Agora, a sua São Francisco dedica-lhe um terminal no aeroporto.