No despacho de pronúncia, a que a Lusa teve acesso, o juiz Carlos Alexandre refere que sempre que o grupo Hells Angels "tem conhecimento que, em determinado local, se pretende criar ou já existe criado ou instalado um Moto Clube rival (...) aquele procura, através de todos os arguidos, da sua força física e do medo que exercem sobre os membros destes últimos extinguir esse grupo e retirar-lhes as tatuagens que ostentam, as suas motos, assim como as suas peças de vestuário que ostentam".

Segundo o despacho de pronúncia que leva mais de 80 arguidos a julgamento por vários crimes graves, incluindo associação criminosa, tal atuação do HAMC verifica-se também “sempre que o grupo toma conhecimento que, em determinado local, em especial nas concentrações de motociclistas, estarão presentes representantes de Moto Clubs rivais ou de grupos de motociclistas apoiantes de Moto Clubs rivais”.

De acordo com o juiz, "o foco criminal do HAMC nos grupos motards rivais já é antigo".

No despacho é dito que os membros do HAMC "estudam previamente" os locais e os acessos frequentados pelos grupos motards rivais para "de forma violenta e organizada tudo fazerem para eliminar, pela força e uso da violência" a concorrência dos rivais.

"Neste contexto, os HAMC surgem frequentemente relacionados com notícias de episódios de extrema violência física, lutando ferozmente pelo domínio do seu território, onde não permitem a existência de outros Moto Clubs que não estejam sob o seu jugo", nota ainda o despacho de pronúncia.

Hoje, por decisão de Carlos Alexandre, todos os arguidos do processo-crime Hells Angels vão a julgamento, tendo o juiz confirmado na íntegra a acusação do Ministério Público e agravando para obrigação de permanência na habitação (OPH) a medida de coação imposta a muitos dos acusados.

No mesmo despacho, o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) conclui que, face aos indícios analisados, "este conjunto de elementos assim agrupados não é um simples clube recreativo 'motard', mas um conjunto de pessoas que se organizam (...) em moldes paramilitares ou semelhantes ao modo de atuação de uma milícia".

"Qualquer pessoa pode ser 'motard' ou não (...) mas para se fazer parte desta associação tem de se obedecer aos estatutos, o que implica obedecer às decisões do 'chapter' ou `charter´, o que for, e mesmo que isso inclua, pasme-se, agressões/castigos (..) dos quais ninguém está a salvo", lê-se no despacho de pronúncia do juiz Carlos Alexandre.

O juíz considera ainda que todos os elementos que integram o grupo 'motard' estão "em absoluta consonância, hierarquizados e imbuídos de uma obediência aos estatutos (do clube motard) e às obrigações que dele decorrem", independentemente de "qualquer lado onde se encontrem".

Esta última consideração do juiz prende-se com o facto de um dos arguidos alegar que estava no Luxemburgo aquando da prática dos factos criminais (agressões) ocorridas na zona do Prior Velho, em Lisboa.

Nas alegações do debate instrutório, ocorrido em 20 de julho, o Ministério Público (MP) pediu a ida a julgamento de todos os arguidos, sustentando que todos praticaram os crimes que constam na acusação, que teve como meios de prova escutas telefónicas, documentos apreendidos ao grupo 'motard' e o depoimento de testemunhas e arguidos.

Na altura, o MP deu como provado, entre outros factos, o ataque perpetrado pelos arguidos e membros do grupo Hells Angels no restaurante Mesa do Prior, no Prior Velho, bem como a perseguição movida por estes a Mário Machado, líder do movimento de extrema-direita Nova Ordem Social e que pertencia a um grupo 'motard' rival.

O procurador deu então como provados os outros crimes constantes da acusação, incluindo extorsão e posse de arma proibida, designadamente soqueiras, mocas e bastões extensíveis.

A acusação do MP considerou que aqueles membros do grupo 'motard' Hells Angels elaboraram um plano para aniquilar um grupo rival, em março de 2018, com recurso à força física e a várias armas para lhes causar graves ferimentos, “se necessário até a morte”.

Contactado hoje pela Lusa, o advogado José Castro, mandatário de Mário Machado (assistente no processo), congratulou-se com a decisão do juiz Carlos Alexandre e disse "esperar que em julgamento se proceda à condenação efetiva dos arguidos, por forma a que se faça justiça".

Em contrapartida, os advogados de defesa contestam a acusação do MP, sobretudo a imputação do crime de associação criminosa, apontando diversas nulidades do processo, que poderão vir a dar azo a recursos.

Em declarações hoje à Lusa, o advogado Melo Alves, mandatário do arguido Vítor Pereira, disse "não estar surpreendido" com a decisão do juiz Carlos Alexandre de confirmar tudo aquilo que estava na acusação do processo Hells Angels, reiterando muitas das críticas anteriormente feitas durante a instrução e alegando que aquele magistrado "encosta-se sistematicamente ao Ministério Público" na apreciação dos factos constantes da acusação.

Melo Alves esclareceu que esta decisão instrutória do juiz Carlos Alexandre não admite recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e que no limite só poderão ser invocadas nulidades do processo, mas não quis adiantar qual será o próximo passo a dar até "ler e reler" o despacho hoje proferido.

Os arguidos estão acusados de crimes como associação criminosa, tentativa de homicídio qualificado agravado pelo uso de arma, ofensa à integridade física, extorsão, roubo, tráfico de droga e posse de armas e munições, entre outros ilícitos.

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