Os casos mais recentes de violência política aconteceram durante este fim de semana e em pontas opostas do país.

No estado do Ceará, no norte do Brasil, um homem esfaqueou e matou outro num bar no município de Cascavel devido a motivações políticas. De acordo com o jornal O Povo, o agressor terá entrado no estabelecimento e perguntado "Quem é eleitor do Lula aqui?".

A vítima, de 39 anos, terá respondido positivamente, o que levou o atacante a desferir golpes com uma arma branca — o homem ainda foi socorrido, mas acabou por morrer. Segundo as autoridades, “com base nas informações colhidas no local, a motivação do crime estaria relacionada a uma discussão política”, tendo o suspeito já sido detido.

Já a sul, no estado de Santa Catarina, houve outro homicídio, mas os apoiantes trocaram os papéis. Aqui, foi um partidário de Lula da Silva a atacar outro eleitor. Segundo a Polícia Militar, o crime ocorreu por um misto de questões familiares e motivações políticas, sendo que a vítima, Hildor Henker, de 34 anos, vestia uma t-shirt de Bolsonaro, e estava a discutir com o apoiante de Lula. Quando a conversa subiu de tom, o apoiante de Lula esfaqueou o de Bolsonaro, que acabou também por morrer.

Estes, porém, são apenas dois casos numa sequência que se estende, pelo menos, até julho, quando um autodeclarado apoiante de Bolsonaro assassinou um dirigente do Partido dos Trabalhadores em Foz do Iguaçu, no estado do Paraná.

O caso remete a 9 de julho, quando Jorge Guaranho, polícia penitenciário, invadiu a festa de aniversário de Marcelo Arruda, tesoureiro “petista” e polícia municipal, e abriu fogo contra o aniversariante. Inicialmente os ‘media’ locais informaram que o autor do crime e a vítima tinham morrido, mas a polícia mais tarde confirmou que o atirador que causou o incidente sobreviveu.

A procuradora responsável pelo caso, Iane Cardoso, afirmou numa entrevista que as testemunhas no local declararam que o autor dos primeiros disparos fez afirmações a favor de Bolsonaro e ameaçou os presentes na festa. Depois de abandonar o espaço, regressou pouco depois com uma arma. Tudo indica que se tratou de um “conflito político”.

Desde então, têm-se sucedido episódios de violência com motivações diretamente ligadas à atual campanha para as eleições presidenciais. A 9 de setembro, uma discussão política entre dois colegas de trabalho sobre Lula da Silva e Jair Bolsonaro na cidade brasileira de Confresa, estado de Mato Grosso, terminou em homicídio na noite em que o país celebrava o bicentenário da sua independência.

"O que levou ao crime foi a opinião política divergente. A vítima estava defendendo o Lula e o autor defendendo o Bolsonaro", explicou o delegado Victor Oliveira, à imprensa local.

Segundo a imprensa local, que cita fontes policiais, os dois homens passaram horas a discutir sobre política enquanto cortavam lenha numa propriedade rural. Benedito Cardoso dos Santos, de 44 anos, que defendia Lula da Silva, deu um murro em Rafael Silva de Oliveira, de 24 anos, apoiante do atual Presidente, Jair Bolsonaro, e, de seguida, agarrou numa faca.

Rafael Silva de Oliveira acabou por conseguir ficar com a faca e desferiu 15 golpes no apoiante de Lula da Silva. Benedito foi atingido com golpes num dos olhos, na testa e no pescoço. Depois de desferir os golpes, Rafael Silva de Oliveira ainda tentou decapitar Benedito Cardoso dos Santos com um machado. O homem de 24 anos foi detido, confessou o crime e foi colocado em prisão preventiva.

Violência também afeta candidatos

Estes episódios de antagonismo político com ramificações violentas não se cingem aos meros cidadãos brasileiros, mas também aos próprios candidatos nas eleições.

De acordo com o Correio Brasiliense, a 10 de setembro — ou seja, apenas um dia depois do assassinato de Confresa —, Ciro Gomes, candidato do Partido Democrático Trabalhista (centro-esquerda), foi alvo de um ataque por um apoiante de Bolsonaro durante um ato de campanha no Rio Grande do Sul, forçando a uma intervenção da Polícia Federal para evitar agressões mais graves.

Já Jair Bolsonaro foi ele próprio alegadamente alvo de um ataque em Campinas, a 31 de agosto, quando um homem terá arremessado um objeto ao presidente durante uma passeata de mota. A campanha do chefe de Estado queixa-se de uma pedra atirada, mas as imagens são inconclusivas.

Mais recentemente, este domingo, o deputado federal e “petista” Paulo Guedes, a fazer  campanha pela sua reeleição, foi alvo de um atentado armado. Guedes estava a fazer um discurso quando três tiros foram disparados na sua direção. O autor, um polícia militar à paisana, terá efetuado os disparos depois de uma mulher gritar palavras de apoio a Bolsonaro, mas não acertou em ninguém. No seu depoimento, alega que apenas abriu fogo porque foi rodeado de apoiantes petistas.

No mesmo dia, Guilherme Boulos — candidato a deputado pelo PSol (esquerda) e líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto — foi acusado de agredir um adolescente de 15 anos durante uma caminhada eleitoral na Avenida Paulista, em São Paulo. De acordo com o Correio Braziliense, a Polícia Municipal chegou mesmo a tentar deter Boulos, que se defendeu dizendo que o ato foi uma tentativa de provocação do Movimento Brasil Livre (liberais) para fazer falsas acusações.

O homem que tentou deter Boulos, o tenente Waldson Ferreira de Moura Junior, foi mais tarde acusado de ser apoiante de Bolsonaro após escrutínio às suas redes sociais e de tentar levar avante a detenção apenas tendo em conta as suas convicções políticas pessoais. O jovem, porém, chegou mesmo a ser agredido por militantes do PSol.

De resto, a violência política também teve um papel chave nas eleições presidenciais brasileiras de 2018 quando, a 6 de setembro desse ano, Jair Bolsonaro sofreu um ataque à faca no abdómen durante um comício na cidade de Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais.

O agressor, Adélio Bispo, foi preso no mesmo dia, mas em junho de 2020 a justiça brasileira absolveu-o por considerá-lo portador de problemas mentais. Já Bolsonaro foi sujeito a internamento e tem sido submetido a várias cirurgias devido às sequelas desse ataque.

Campanha a ferro e fogo

O Brasil tem vivido a sua campanha eleitoral mais polarizada das últimas décadas antes das eleições de 2 de outubro, especialmente tendo em conta os esforços de reeleição de Bolsonaro e a aparente vantagem de Lula em regressar ao Planalto.

Perante o clima de tensão, a polícia reforçou o esquema de segurança na campanha, e tanto Bolsonaro como Lula já apareceram em comícios a usar coletes à prova de balas e a evitar contato próximo com os seus apoiantes.

A perceção de que a violência política no Brasil aumentou é visível na atitude da própria população. De acordo com um inquérito divulgado há duas semanas, 67,5% dos brasileiros temem ser atacados devido à posição política e 3,2% disseram ter sido ameaçados por essa razão em agosto.

Tendo em conta o aumento dos casos de violência, o Tribunal Superior Eleitoral já proibiu o porte de armas dentro ou perto das assembleias de voto durante as eleições e pelo menos 48 horas antes. Além disso, as forças armadas vão reforçar a segurança em 561 dos 5.570 municípios brasileiros durante o ato eleitoral.

Quanto ao clima vigente nestas eleições, os dois principais candidatos têm tido atitudes muito distintas quanto à violência.

No rescaldo do homicídio em Confresa, Lula da Silva lamentou o “clima de ódio que está estabelecido no processo eleitoral”, lembrando que o seu candidato a vice-presidente, Geraldo Alckmin, chegou a ser candidato pelo partido de centro-direita PSDB às eleições presidenciais precisamente contra si, em 2006.

“Vocês estão vendo duas pessoas que já foram adversários nas eleições, que disputámos eleições, estávamos em partidos diferentes”, disse Lula, acrescentando, que “a polarização antes era entre a democracia e a democracia”.

Ao invés, Bolsonaro e o seu ‘vice’, Hamilton Mourão, têm minimizado os episódios de violência, retratando-os como parte do quotidiano do Brasil. Depois da morte de Marcelo Arruda, Mourão disse que o caso não era “preocupante”. “Não queira fazer exploração política disso daí. Vou repetir o que eu estou dizendo, e nós vamos fechar esse caixão (…) Para mim, é um evento desses lamentáveis, que ocorrem todo final de semana nas nossas cidades, de gente que briga e termina indo para o caminho de um matar o outro”, afirmou.

Da parte dos observadores internacionais, sobem os temores de que haja ainda mais violência, especialmente tendo em conta o cenário pós-eleitoral, já que Bolsonaro se tem pautado por um discurso beligerante contra os seus adversários e alguns dos seus militantes já admitiram estar prontos para "lutar com armas" no caso de uma derrota do presidente nas eleições de outubro.

Um comunicado emitido na semana passada pela Organização das Nações Unidas frisou que ameaças, intimidação e violência política, incluindo ameaças de morte contra candidatos, continuam a aumentar ‘online’ e ‘offline’, principalmente contra mulheres, povos indígenas, afrodescendentes e pessoas LGBTI (lésbicas, ‘gays’, bissexuais, transgénero e intersexo) no Brasil, gerando terror entre a população e impedindo potenciais candidatos de concorrer a cargos públicos. 

Descrevendo este quadro, os especialistas a organização multilateral expressaram a sua preocupação com a campanha difamatória em curso e os ataques contínuos contra as instituições democráticas, o judiciário e o sistema eleitoral no Brasil, incluindo o sistema eleitoral eletrónico.

“Pedimos às autoridades que protejam e respeitem devidamente o trabalho das instituições eleitorais. Expressamos ainda nossa preocupação com o impacto que tais ataques podem ter nas próximas eleições presidenciais e enfatizamos a importância de proteger e garantir a independência judicial”, disseram os especialistas.

Já Juanita Goebertus Estrada, diretora das Américas da Human Rights Watch, frisou que “todos os candidatos deveriam condenar energicamente o assassinato de Benedito Cardoso dos Santos e quaisquer atos de violência política, intimidação ou ameaça no período eleitoral.

“Os candidatos deveriam insistir com os seus apoiantes que respeitem as posições dos seus adversários políticos e nunca recorram à violência”, acrescentou.

*com agências