O processo remonta a 2022 mas só se tornou público em janeiro de 2023 através de uma notícia do Expresso que dava a conhecer a denúncia de más práticas apresentada por dois cirurgiões do Hospital Fernando Fonseca (HFF), geralmente referido como Hospital Amadora-Sintra. De acordo com a denúncia, 22 pacientes “morreram ou ficaram mutilados” alegadamente por má prática da equipa cirúrgica.

Após ter sido tornada pública a denúncia, seguiu-se um processo de investigação que concluiu pela não existência de más práticas médicas, à exceção de uma situação em que, segundo relatório pericial da Ordem dos Médicos, se pode considerar que terá sido tomada uma "má opção cirúrgica, o que pode configurar má prática".

Os dois cirurgiões responsáveis pelas denúncias foram alvo de processos disciplinares que, segundo o Hospital Fernando Fonseca,  "resultaram na suspensão dos mesmos por um período de três meses”.

Agora, “face ao possível regresso destes dois cirurgiões, foram apresentados pedidos de dispensa de trabalho suplementar por parte de alguns cirurgiões do HFF”, refere o conselho de administração que é presidido por Joana Chêdas. A indisponibilidade dos médicos do HFF, lê-se ainda no comunicado do hospital, surge na sequência de “diferendos” entre profissionais de saúde que originaram “duas denúncias [no final de 2022] de alegadas más-práticas no seu serviço de cirurgia geral”.

Face à situação, a administração do hospital vem garantir que “a prestação dos cuidados de saúde inadiáveis à população não estará em causa. A direção do serviço de Cirurgia Geral está a reprogramar as escalas face à indisponibilidade manifestada pelas dispensas apresentadas”. No comunicado de imprensa enviado à agência Lusa, o conselho de administração assume que “eventuais falhas nas escalas serão garantidas através da contratação de prestadores de serviços, e sempre funcionando em rede” com outros hospitais.

Ou seja, continua o documento, funcionando “com as demais instituições de Lisboa e Vale do Tejo do Serviço Nacional de Saúde, em estreita articulação com a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde”.

Que denúncias foram feitas e o que concluiu o inquérito

As situações reportadas pelos dois cirurgiões cujo regresso está a desencadear pedidos de dispensa ao trabalho suplementar foram comunicadas à direção clínica do hospital no início de outubro de 2022 e diziam respeito a 17 doentes, aos quais acresceram, no final de novembro, mais cinco situações. Além do hospital, também a Ordem dos Médicos foi informada das suspeitas de más práticas através de email  enviado em meados de dezembro.

Na informação enviada à ordem dos Médicos, um dos cirurgiões escreveu que era seu “dever ético, profissional, pessoal, de cidadania alertar para que existem situações de prejuízo de vida e qualidade de vida graves, com mortalidade e mutilações desnecessárias, evitáveis, que resultam de uma prestação de cuidados ao doente cirúrgico que não coincide com a legis artis”. E acrescenta que a “denúncia não se centra num médico em particular, mas sim numa situação sistémica”.

As situações reportadas vão desde cirurgias conduzidas de forma incorreta, ou desnecessárias ou ainda altas em situações indevidas face o estado do paciente.

Em janeiro, e falando em nome do Conselho de Administração do Hospital Fernando Fonseca, a diretora clínica, Ana Valverde confirmou, na sequência da notícia das denúncias, que a unidade recebeu uma exposição escrita do ex-diretor do serviço de cirurgia, alegando más práticas clínicas relativamente aos colegas de cirurgia geral. "Esta denúncia foi encarada com a correspondente responsabilidade e seriedade. De imediato foram desenvolvidas diligências e instaurado um processo de inquérito para apurar a verdade dos factos e as responsabilidades", afirmou, adiantando que entre as diligências estava o envio da denúncia para a Ordem dos Médicos, "para solicitar um processo de averiguação independente sobre as alegações do ex-diretor".

A 24 de janeiro deste ano, a agência Lusa adiantou, citando fonte hospitalar não identificada, que os resultados da investigação às denúncias que concluem no sentido de não ter havido má prática médica comprovada em nenhum dos 18 casos analisados [as denúncias referiam-se a 22 situações]. A fonte citada referiu à Lusa que "aparentemente não haverá má prática nos casos analisados", acrescentando que "uma má decisão [perante várias opções] pode não ser má prática".

A 2 de fevereiro, num comunicado enviado à agência Lusa, o Hospital Fernando Fonseca informa que as conclusões do inquérito realizado pela instituição acolheram na íntegra as conclusões da perícia médica solicitada à Ordem dos Médicos (OM). "O relatório da Ordem dos Médicos - entidade com total idoneidade e imparcialidade para avaliar do ponto de vista técnico as denúncias em causa - afasta a suspeita generalizada que pende sobre o Serviço de Cirurgia Geral desde o passado dia 13 de janeiro, altura em que ocorreu a divulgação pública das denúncias de alegados casos de más-práticas cirúrgicas", pode ler-se.

Entre as situações avaliadas, pode ainda ler-se, é identificada uma situação em que se pode considerar que terá sido tomada uma "má opção cirúrgica, o que pode configurar má prática [citação retirada do relatório pericial da Ordem dos Médicos]", situação que o hospital lamenta publicamente e dando conta de que irá procurar esclarecer na totalidade.

O "impasse relacional que opõe esse grupo de cirurgiões e os seus colegas autores das denúncias infundadas”

O conselho de administração do HFF admite que desenvolveu, desde o primeiro momento, “todas as diligências” para que fossem “cabalmente esclarecidas e apuradas responsabilidades de forma transparente, idónea e justa” em relação às questões suscitadas pelas “denúncias realizadas por dois cirurgiões da instituição”.

“A reputação e o bom-nome dos profissionais da instituição assim o exigiam, perante a suspeita levantada na praça pública, com um tom de alarmismo social. Essa suspeita veio a revelar-se infundada após processo de inquérito”, acrescenta. O processo, lê-se ainda no comunicado, foi pedido pelo conselho de administração e foi alvo de “análise de perito do Colégio de Especialidade de Cirurgia Geral da Ordem dos Médicos”.

A administração diz que mantém “uma atitude de diálogo e concertação” com estes especialistas, “em estreita articulação entre a Direção do Serviço e a Ordem dos Médicos, com vista a ultrapassar o impasse relacional que opõe esse grupo de cirurgiões e os seus colegas autores das denúncias infundadas”.

“O elevado sentido de responsabilidade demonstrada pela instituição será mantido na gestão deste diferendo, pois assim o exigem a reputação construída ao longo de 28 anos e a necessidade de dar resposta perante uma comunidade de mais de 550.000 utentes”, assume no comunicado.