A Federação Nacional dos Professores (Fenprof) "revê-se completamente" na carta aberta que um grupo de mais de 100 cidadãos, entre pais e professores dos diversos graus de ensino, cientistas e médicos de várias especialidades, dirigiu ontem ao governo de António Costa e a Marcelo Rebelo de Sousa a pedir a abertura imediata das escolas e o regresso ao ensino presencial. Em conversa com o SAPO24, Mário Nogueira concorda, desde que o governo estabeleça um plano.
"Quanto mais depressa voltarmos ao ensino presidencial, melhor. Mas para que isso aconteça em condições de segurança, o ministro da Educação não pode continuar a repetir como um papagaio que as escolas não são problema nenhum". Para o líder da Fenprof, se "não há dúvida que o ensino presencial bate aos pontos o ensino à distância - se isto fosse na bola já tínhamos 15 pontos de avanço -", também é verdade que "as perdas são agravadas por o governo não ter criado as condições que devia e com as quais se comprometeu". E não se refere apenas aos computadores e à internet móvel de banda larga, mas sim à realização de testes e à vacinação dos professores, entre outras medidas.
Mário Nogueira cita um estudo publicado hoje, realizado nos Estados Unidos nos meses de dezembro e janeiro, que aponta para os professores como principais fatores de contágio. "Tem de haver vacinação dos professores, porque se não for assim é uma irresponsabilidade". "Espanha regressa às aulas, mas os professores estão a ser vacinados. A Alemanha regressa às aulas, mas os professores estão a ser vacinados. Em Portugal levámos isto à secretária de Estado da Educação [Inês Ramires], que respondeu que os professores não são um grupo profissional especial e entram quando entrarem as outras pessoas. E em vez de ter vergonha de deixar as coisas chegar onde chegaram, ainda acrescentou que, como a maioria dos professores tem uma idade avançada, com sorte não demorarão a ser vacinados".
A Fenprof propôs que os professores que estão atualmente nas escolas onde estão os filhos dos profissionais considerados essenciais durante o estado de emergência entrassem já nesta fase de vacinação - "não são muitos, são cerca de 5% dos professores" - e que "os restantes fossem vacinados até ao final do segundo período". A proposta não foi aceite.
Quanto aos testes, e apesar de no mês de fevereiro já terem sido realizados 13 mil nas escolas de acolhimento, dos quais 25 deram positivo, o governo "esqueceu-se dos alunos com deficiência profunda ou de risco, sinalizados pela CPCJ, ou dos pequeninos que estão em casa abrangidos pela chamada intervenção precoce e que têm professores de ensino especial a ir aos domicílios. Estes professores andam de casa em casa, o mínimo seria fazer testes a estas pessoas. Mas recusam-se", conta o líder da Federação Nacional dos Professores. Em causa estarão "umas centenas" de docentes.
"Houve uma tentação brutal durante o primeiro período de esconder a situação nas escolas, e isto não é imprudente, é irresponsável"
Mário Nogueira critica sobretudo a "ausência de coerência e a falta de transparência" do governo e da Direção-Geral da Saúde na gestão de todo este processo. "Ainda na segunda-feira ouvi na reunião do Infarmed que em 80% dos casos ninguém sabe quais são as cadeias de transmissão". E também "ainda ninguém explicou se foi uma mera coincidência os números terem descido de forma abrupta depois de as escolas fecharem".
É por este motivo que, desde o início do ano letivo 2020/21, a Fenprof tem pedido ao governo um mapa Covid-19 das escolas, como existe para lares. Afinal, o Ministério da Educação criou uma plataforma onde as direções escolares têm de lançar o número de professores, alunos e auxiliares infetados, a par de outras informações. No entanto, estes dados só foram parcialmente disponibilizados por ordem judicial. Até então, a federação tinha um levantamento oficioso, e não oficial, que apontava para 1071 escolas com casos confirmados. A informação do ministério viria a mostrar que foram afetadas 2933 escolas (apenas no continente e sem contar com ensino privado e universitário), embora não revele o número de casos positivos ou se se tratou de alunos ou de professores. "Houve uma tentação brutal durante o primeiro período de esconder a situação nas escolas, e isto não é imprudente, é irresponsável".
Ainda esta semana "a Fenprof irá dar entrada nos tribunais com um pedido de intimação contra a senhora ministra da Saúde [Marta Temido] e a senhora diretora-geral da Saúde [Graça Freitas], que recusam os nossos pedidos de reunião e de informação, a que temos direito por lei, e nem nos respondem".
Já ontem a Fenprof esteve no Ministério da Educação, mas foi recebida por "uma relações públicas" a quem entregou um documento. "Quisemos reunir com a DGS, não quiseram. Quisemos reunir com o Ministério da Educação, não quiseram". O objetivo é negociar as condições de reabertura das escolas, "porque a lei reconhece esse direito aos sindicatos, negociar tudo o que diz respeito à segurança e saúde no trabalho dos professores".
A última vez que a Fenprof reuniu com o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, foi há mais de ano, a 22 de janeiro de 2020. Entretanto, já esteve com a secretária de Estado, "mas para falar de outras coisas, porque nos dizem que o tema do ensino presencial não está em cima da mesa". O último encontro foi sobre o despacho do calendário escolar, a compensação pelos 15 dias de suspensão do ensino, uma questão em relação à qual a Fenprof não levanta objeções.
Para a federação, o mínimo seria existir um protocolo com procedimentos básicos, mas o que acontece é que cada caso é resolvido de uma maneira: "Nuns casos o delegado de saúde fechou a turma toda por causa de um aluno e mandou para casa os professores e alunos de outras turmas com os mesmos professores, sem sequer fazer testes. Noutros, em que havia meia dúzia de miúdos infetados, só esses ficaram em isolamento, até os irmãos continuavam a frequentar as aulas no estabelecimento de ensino".
Mário Nogueira vai desfilando incongruências: "O despacho de organização do ano letivo 2020/21 foi posto cá fora a 3 de julho a fixar as regras" e "as escolas não puderam ir além do que o Ministério impôs. Podiam desfasar os horários, mas não podiam reduzir turmas, isso foi proibido. Não podiam contratar mais professores para compensar as perdas do ano passado, não podiam contratar assistentes operacionais para fazer a limpeza. Mandaram fazer bolhas para não misturar miúdos nos intervalos, mas para as disciplinas com poucos alunos o Ministério impôs que se juntassem turmas; Moral e Religião passou a juntar na mesma sala miúdos de turmas diferentes e nas aulas de TIC havia dois alunos por computador".
É por este motivo que, mesmo concordando com a carta aberta, o líder da Fenprof não vai assinar a petição publica lançada pelo grupo de 100 personalidades. "Assinarei uma petição que diga que as escolas devem reabrir e, antes disso, deve ser elaborado plano que preveja não só as datas, mas também as condições de regresso e a progressividade. Queremos voltar rapidamente ao ensino presencial; para os professores o trabalho à distância é um sacrifício, para os alunos é desgraçado, para as desigualdades é terrível, para os pais é muito mau". Mas, teme, "a sensação que temos é que o governo não está a fazer nada e um dia destes anuncia que dia tal regressam às aulas presenciais. Que foi o que fizeram quando decidiram entrar em pausa letiva, não perguntaram a ninguém, limitaram-se a anunciar".
A petição para o regresso ao ensino presencial, que poderá consultar aqui, tinha à hora de publicação desta notícia 3.183 assinaturas. As petições públicas são apreciadas pelas comissões competentes em razão da matéria, que deve elaborar um relatório final com as medidas consideradas adequadas no prazo de 60 dias. Qualquer petição subscrita por um mínimo de 1000 cidadãos é, obrigatoriamente, publicada no Diário da Assembleia da República e os peticionários são ouvidos em audição na comissão respetiva. Para ser apreciada em plenário são necessárias as assinaturas de pelo menos 7500 cidadãos.
Mário Nogueira aproveita para lembrar que a Fenprof tem entregado petições com 20 mil, 30 mil e 50 mil assinaturas, de que resultam soluções aprovadas por maioria, mas que o governo não cumpre.
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