“Gostaríamos que isto fosse uma forma de encorajar a Rússia a respeitar mais os direitos humanos e gostaríamos que a FIFA (Federação Internacional de Futebol) usasse a sua influência para assegurar que a Rússia cumpre as suas obrigações e torne a vida melhor para todos”, disse a diretora de comunicação da HRW, Emma Daly, em entrevista à agência Lusa, a propósito da divulgação do “Guia de Direitos Humanos para Jornalistas” para o Mundial 2018.
O Guia enumera vários problemas identificados pela HRW, alguns focados no evento propriamente dito e as obras de construção que estão a ser levadas a cabo, e outros relacionados com o que Emma Daly considerou ser a “pior fase de repressão dos direitos humanos desde o fim da era soviética”, incluindo ataques aos media, opositores políticos e sociedade civil e leis “extremamente hostis” contra a comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero).
A responsável da HRW reconheceu que “a FIFA não pode resolver tudo”, mas deve mostrar mais ação no terreno.
“Tendo em conta o historial da FIFA e a sua curta história a nível de políticas de direitos humanos, que surgiu após anos de escândalos, a FIFA precisa de ganhar a nossa confiança e mostrar ao mundo que está a dar os passos certos. É importante que esta política de direitos humanos se torne real, para que não sejam apenas palavras no papel e frases que soam bem, e seja realmente usada para melhorar a vida das pessoas tocadas pela FIFA e pelo Mundial em particular”, vincou Emma Daly.
Apesar de reconhecer que a FIFA deu “passos positivos” no que respeita à proteção dos direitos humanos, o Guia da HRW sublinha que as preocupações que suscitou junto deste organismo “têm sido ignoradas em várias ocasiões”.
Em causa estão, nomeadamente, a falta de monitorização sobre o cumprimento da legislação laboral na construção dos estádios e infraestruturas necessárias à realização do evento e a escolha da capital da Chechénia, Grozny, como centro de estágio da seleção egípcia.
Para receber o campeonato, a Rússia está a construir ou renovar dez estádios, bem como as infraestruturas necessárias para acomodar milhares de jogadores, treinadores, jornalistas e adeptos de todo o mundo.
As empresas russas contrataram milhares de operários para as obras, muitos dos quais migrantes russos ou das antigas repúblicas soviéticas, mas a HRW detetou várias formas de exploração e abusos sobre estes trabalhadores, incluindo ausência de contratos, não pagamento ou salários em atraso e operários obrigados a trabalhar no exterior com temperaturas inferiores a 25 graus Celsius, sem tempos de pausa suficientes para se aquecerem.
Até abril de 2018, o Sindicato Internacional dos Trabalhadores da Indústria da Construção e da Madeira contabilizou 21 mortes de trabalhadores nas obras dos estádios do Mundial 2018, segundo a HRW.
A organização critica o facto de nem a FIFA nem o Governo russo terem publicado estatísticas oficiais sobre o número total de trabalhadores envolvidos nos preparativos do Mundial e refere que, durante as visitas aos estaleiros, encontraram por diversas vezes “uma atmosfera de intimidação, desconfiança e secretismo da parte das autoridades locais e dos seguranças”.
Numa carta endereçada à HRW, a FIFA referiu que, até junho de 2017, fez 58 visitas ao abrigo do programa de monitorização das condições laborais e avaliou cerca de 900 trabalhadores, por visita, por estádio, mas a HRW identificou várias falhas neste sistema.
A FIFA reconheceu a existência de preocupações quanto aos direitos laborais nos preparativos do Mundial, mas defendeu que as conclusões da HRW não correspondem à sua própria avaliação.
A HRW sugere aos jornalistas destacados para o evento desportivo que alarguem a cobertura noticiosa aos direitos laborais associados aos preparativos do campeonato e à “repressão galopante na Chechénia”.
Emma Daly sublinhou, no entanto, que os jornalistas devem acautelar a segurança das pessoas com quem falam, bem como dos equipamentos que vão usar: “devem fazer as histórias e ir atrás delas, mas de maneira a que se protejam a si próprios e às suas fontes”.
As 32 seleções que vão competir no Mundial2018 vão disputar jogos em 11 cidades russas (Moscovo, São Petersburgo, Ekaterinburgo, Sochi, Kalininegrado, Nijni Novgorod, Kazan, Samara, Volgogrado, Rostov-no-Don e Saransk) entre 14 de junho e 15 de julho.
Em 2010, a FIFA escolheu a Rússia como anfitrião do Mundial 2018 e o Qatar para 2022, duas decisões controversas e que suscitaram críticas generalizadas devido às suspeitas de corrupção no processo de escolha destes países, segundo a HRW.
O Mundial 2018 é o terceiro grande evento desportivo que a Rússia recebe nos últimos cinco anos, depois da Taça das Confederações em 2017 e dos Jogos Olímpicos de Inverno em 2014.
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