As necessidades são muitas e não há tempo a perder. São milhares de pessoas que já tinham pouco e ficaram sem nada, depois de o Idai ter atingido, violentamente, Moçambique, exigindo uma resposta rápida das equipas humanitárias.
“Já tive de reparar um gerador”, comenta o médico Gonçalo Órfão, especialista em hematologia, e eletricista quando a necessidade obriga.
“Fomos nós que montámos e equipámos tudo. Foi esse o desafio que nos tornou unidos”, diz, orgulhosa da sua equipa, Lara Martins, a chefe da missão que está na Beira e recebeu hoje mais quatro técnicos que se juntaram ao grupo de 20 que já estava no terreno.
Maria Maceiras, enfermeira e professora na Escola Superior de Saúde de Lisboa, é uma das recém-chegadas e não tem mãos a medir. Aterrou esta manhã na Beira e algumas horas depois já ia no seu terceiro parto numa maternidade precária em que a única coisa que existe são lençóis e boa vontade.
“São as senhoras que trazem três ou quatro ‘capulanas’ para tapar a senhora e o bebé”, adianta a enfermeira, acabada de sair da sala onde se ouve o choro forte de um recém-nascido.
É mais uma menina e tanto a bebé como a mãe estão bem, revela Maria Maceiras.
São esperados 45 mil partos para as próximas semanas e a CVP fretou um avião especialmente dirigido à saúde materno-infantil, transportando 33 toneladas de equipamentos, incluindo um bloco de parto, marquesas, ecógrafos e 1.500 quilos de kits de parto, que incluem materiais descartáveis para tornar os nascimentos mais seguros e higiénicos.
Quinze dias depois, as marcas da passagem destruidora do Idai são ainda bem visíveis quando se atravessa a Beira: há terrenos alagados, casas que ficaram sem telhado, chapas retorcidas com a força do vento, árvores arrancadas pela raiz.
E, no entanto, a vida prossegue sob o calor escaldante dos trópicos. Limpam-se as lojas, retomam-se os negócios de venda ambulante, um grupo de crianças sorridentes e de uniforme sai da escola, olhando com curiosidade os visitantes.
Também elas ouviram o vento uivar. Uma chegou a ver a água chegar à sala da sua casa. “Tive medo”, confessa, com o sorriso despreocupado de quem sabe que o perigo já passou.
Contam que só bebem água mineral – garantia gritada em uníssono – e sabem que a que sai da torneira é imprópria para beber, sem filtragem ou purificação, por causa das doenças.
Com a descida das águas, a cólera tornou-se a nova ameaça e o número de pessoas diagnosticadas cresce de dia a dia.
Mesmo assim, os primeiros casos, “apesar de parecerem muito graves, foram tratados com sucesso”, considera Armindo Figueiredo, especialista em Medicina Interna da organização Médicos do Mundo, parceira da CVP na Operação Embondeiro.
“Há também muita malária, infeções respiratórias e lesões cutâneas devido ao corte de chapas”, acrescenta o médico.
Os doentes com cólera podem ser tratados em casa e só são transferidos para o Centro de Tratamento de Cólera da Unicef (CTC) nos casos mais graves.
“O risco agora é o agravamento das condições higieno-sanitárias”, salienta Lara Martins. Foi para minimizar esta e outras ameaças, que a CVP se instalou no complexo de saúde do bairro de Macurungo, um dos mais populosos e mais pobres da cidade.
Para lá chegar, são necessários cerca de 20 minutos para percorrer uns escassos quilómetros, que se tornam mais demorados porque a viatura tem de navegar nas ondas poeirentas de uma estrada de terra.
No complexo de saúde, além das tendas da CVP, encontram-se o semi-arruinado centro de saúde, a maternidade sem equipamento e o Centro de Tratamento da Cólera da Unicef.
Há também uma organização dinamarquesa, a Danish Emergency Management Agency (DEMA), que trata a água que está a ser fornecida às unidades de saúde. Sai de um poço subterrâneo, poluída e turva, e é tratada por osmose inversa e desinfetada com um sistema ultravioleta até ficar transparente e potável.
Quando sobra, é distribuída às dezenas de pessoas que fazem fila para receber o precioso garrafão de dez litros. Muitas são mulheres que se acumulam à porta das unidades de saúde, não para fazerem uma consulta ou por estarem doentes, mas para ver se conseguem encontrar trabalho nas organizações humanitárias.
Arminda Pedro, 41 anos, lamenta-se e desespera: “tenho três filhos, preciso de trabalho. Tenho fome e sede. Ficámos sem nada, voou tudo e agora estamos a dormir numa escola, mas não nos dão nada e não temos dinheiro”.
Nas urgências, os médicos atendem três homens com feridas. Num dos casos, o ferimento infetou e abriu um gigantesco buraco no pé do paciente. “Ainda deve recuperar”, dizem os médicos, com o otimismo de quem está habituado a ver situações extremas.
As tendas da CVP têm várias valências. Além do bloco de partos, totalmente equipado, existe uma unidade de emergência, um gabinete de consulta, uma farmácia e apoio psicossocial.
O presidente da CVP, Francisco George, estima que a organização vai ficar na Beira até ao final deste ano e quando sair, assegura, todo o equipamento será cedido à Cruz Vermelha Moçambicana.
Francisco George, que recebeu hoje no hospital de campanha o seu congénere moçambicano, garantiu ainda a Avelino Isaías Mondlane que a organização humanitária vai financiar a recuperação do centro de saúde.
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