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“Quem conhece a Igreja, e a vê por dentro, percebe que os cardeais não têm tanto peso assim. Os cardeais têm peso em decisões como, por exemplo, escolher um Papa, mas no dia-a-dia, cada bispo é muito senhor de si e tem um real poder sobre a sua diocese”, pelo que, “enquanto houver muitos bispos e padres que sejam mais conservadores, a Igreja terá sempre uma marca mais conservadora”, afirmou, em Roma, Tony Neves, em entrevista à Agência Lusa.
Para o missionário, “a Igreja vai ter que mudar, a começar pelo seu laicado (fiéis) e depois o seu presbiterado (padres), a sua vida consagrada, os seus bispos e o Papa. Enquanto não mudarem todos, vai haver sempre ritmos que não são homogéneos”.
Em Roma há sete anos e conselheiro há quatro, Tony Neves passa grande parte da vida em visitas às missões da ordem, que tem 2.500 elementos ativos e mil jovens em formação, com presença em 63 países de cinco continentes.
“É uma máquina já grandinha”, resume o sacerdote, numa entrevista sobre a "revolução" feita pelo Papa Francisco, internado desde o dia 14 com uma pneumonia bilateral.
Francisco "construiu uma Igreja mais próxima dos pequeninos e dos pobres, mais interveniente, que tenta trabalhar mais as questões da paz e da ecologia, apostas pessoais do Papa", considerou Tony Neves, destacando também o investimento no diálogo inter-religioso, a que se somam as “visitas cirúrgicas” a locais sem grande presença de católicos, como a Mongólia, onde chegou mesmo a indicar um cardeal.
“Há aqui, de facto, uma revolução em curso que tem mostrado ao mundo uma imagem de uma Igreja diferente daquela que a gente via no tempo de João Paulo II ou no tempo de Bento XVI”, acrescentou Tony Neves, admitindo que este processo pode mudar, tudo dependendo de quem suceda a Francisco.
“Quando a gente olha para a história, reparamos que há muitos avanços e recuos”, mas hoje, “as marchas atrás absolutas são impossíveis” num “avanço irreversível em direção a uma interpretação mais radical do Evangelho”, explicou o sacerdote, que elogia o regresso ao espírito e valores do Concílio Vaticano II, na década de 1960, um encontro magno que modernizou muitos dos ritos e discurso da Igreja católica.
Hoje, "o Papa Francisco encarna o ideal latino-americano de ser Igreja. Ninguém no mundo conseguiu tomar mais a sério o Concílio Vaticano II” que os movimentos católicos da América Latina, com mais preocupações com a pobreza, intervenção social ou abertura a minorias e menos com rituais antigos.
Com Francisco, foi “a América Latina a saltar para Roma”, uma região “muito mais avançada na forma como encarnou as grandes linhas do Vaticano II”, considerou.
"Agora a Igreja opera em vários continentes e nem todos têm a mesma visão quanto ao que se convencionou chamar temas fraturantes”, disse Tony Neves numa referência à homossexualidade, celibato dos padres e maior papel das mulheres ou dos divorciados.
“Quando a gente olha o mundo no seu todo, há temas que, em certos continentes e em certos contextos, não estão suficientemente amadurecidos”, pelo que “pensar numa lei universal para cobrir o mundo sobre determinados temas fraturantes talvez seja um bocadinho cedo e demasiado radical para uns e demasiado para outros”, salientou.
Isto é particularmente evidente numa “instituição pesada e histórica como a Igreja Católica, que tem muita dificuldade de encontrar uma legislação que consiga acompanhar os diversos ritmos do mundo”.
“Eu creio que o Papa Francisco está muito à frente em muitas coisas”, resumiu.
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