“Os incêndios que têm flagelado o país, em particular os deste ano de 2017, exigem uma tomada de consciência clara da ligação entre a tragédia e a crescente fragilização e deslaçamento de grande parte do espaço nacional, dos seus modos de vida e das economias que aí existem”, sustenta o documento.
Subscrito por 15 investigadores de várias disciplinas, que se dedicam a estudar a sociedade portuguesa, com “especial atenção às questões dos territórios, da floresta, da agricultura familiar, do desenvolvimento dos espaços rurais, da administração pública e da responsabilidade social e política”, o documento, já enviado a Marcelo Rebelo de Sousa e a António Costa, foi hoje apresentado, numa conferência de imprensa, na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC).
Resultado de uma mesa-redonda promovida, no início de novembro, naquela Faculdade, o documento, intitulado ‘Incêndios, território e fragilidade económica e social: Pensar o país inteiro”, surge para “acrescentar” um contributo que ajude a demonstrar que o problema é “absolutamente complexo”, sublinhou José Reis, docente da FEUC, que, com Américo Carvalho Mendes, professor da Católica Porto Business School, Pedro Bingre Amaral, do Instituto Politécnico de Coimbra, e Pedro Hespanha, investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, apresentou o documento.
O problema é complexo, “não é apenas florestal, não é apenas agrícola, não é apenas dos meios rurais, não é apenas dos pequenos meios urbanos”, tem “várias dimensões”, desde logo a “enorme fragilização a que todo o território português chegou”, em função do “abandono, da deslocação de populações daí para os centros urbanos, crescentemente para as áreas metropolitanas”, salientou José Reis.
Apesar da urgência, é preciso “pensar” e ter “um sentido de longo prazo”, isto é, de intervenção estrutural, em todas [aquelas] dimensões”, defende ainda o professor da FEUC e antigo presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Centro.
Importa igualmente “sublinhar de forma muito veemente” que quem vive naqueles locais e as suas economias (florestal e agrícola) não são um problema, “não são algo que empata as soluções”, pelo contrário, são e têm de ser parte delas, através da sua mobilização e envolvimento nas soluções que ajudem a resolver a situação.
“Ignorar esta gente” e os novos moradores dessas zonas “agravará o risco social dos incêndios e cavará mais depressa a sepultura do país inteiro”, alerta Pedro Hespanha, sustentando que os recursos públicos para ali canalizados devem funcionar como “um instrumento para investimento” e “não apenas como compensação”.
As políticas públicas têm de “usar todo o seu ciclo (da conceção à avaliação) metodologias de ação que tenham em conta a perceção dos problemas por parte das pessoas e que interpretem as resistências como sinais de alerta para detetar e prevenir efeitos negativos de que não se tem consciência”, acrescenta.
Os autores do documento receiam, entretanto, que “esta complexidade seja subavaliada e seja esquecida”, temem mesmo que “o problema em si mesmo seja esquecido”, afirma José Reis, considerando que “esse risco existe” do mesmo modo que há o perigo de se optar por “soluções fáceis”.
“Não queremos, por exemplo, o Estado para estar apenas a olhar” para estes “territórios que já não têm nada” e aos quais devem ser pagos “determinados serviços – que se convencionou chamar serviços ambientais – e que isso seja feito através da rentabilização de capitais, de fundos financeiros”, ansiosos por captarem do Estado “grandes montantes e formas de remuneração elevadas”, adverte José Reis.
Esses montantes vão servir apenas para rentabilizar fundos e “não para reconstruir o país, reconstruir os territórios, para dar vida a estas economias e refazê-las”, conclui.
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