Depois de um dia caótico que incluiu a invasão do Senado por funcionários do Judiciário em greve e estudantes, a Câmara Alta aprovou a emenda constitucional com 86 votos a favor e 41 contra.

"Está aprovado de modo geral o projeto de reforma do Poder Judiciário", anunciou o presidente do Senado, Gerardo Fernández Noroña, que, devido à pressão dos manifestantes, foi obrigado a transferir a sessão para a antiga sede da Câmara Alta.

López Obrador propôs a reforma constitucional no contexto de um confronto com o Supremo Tribunal, que bloqueou reformas que ampliavam a participação do Estado no setor energético e colocavam a segurança pública sob controlo militar.

O mandatário, que entregará o poder à sua correligionária, Claudia Sheinbaum, a 1 de outubro e conta com 70% de popularidade, acusa o tribunal superior e alguns juízes de estarem ao serviço das elites, da corrupção e do crime organizado, mas os adversários afirmam que, na verdade, pretende eliminar a independência do Judiciário para instaurar um regime autoritário e perpetuar o seu partido no poder.

A emenda também é criticada pelos Estados Unidos e pelo Canadá, que alegam que ela prejudicaria o acordo comercial T-MEC, no momento em que o México se consolida como principal parceiro comercial do seu vizinho do norte.

Washington também alerta que o voto direto deixaria os juízes à mercê dos cartéis do narcotráfico, que já influenciam as campanhas políticas.

Após a aprovação da iniciativa, os atuais ministros da Suprema Corte, juízes e magistrados (cerca de 1.600) poderão se candidatar em eleições em 2025 e 2027. Caso contrário, permaneceriam nos seus cargos até que os eleitos assumam funções.

Caso único no mundo

A reforma também é criticada por especialistas das Nações Unidas e por organizações como a Human Rights Watch. Coloca o México "numa posição única em termos do método de eleição de juízes", apontou Margaret Satterthwaite, relatora da ONU sobre a independência de juízes e advogados.

O outro caso semelhante na América Latina é o da Bolívia, onde os magistrados dos tribunais superiores são eleitos por voto popular, enquanto os juízes são designados por um conselho da magistratura.

Porém, a independência dos magistrados eleitos foi colocada em xeque devido à disputa entre o presidente Luis Arce e o seu mentor e ex-presidente socialista Evo Morales (2006-2019).

"O que mais preocupa aqueles que são contra a reforma é que perderão os  privilégios, porque o poder judiciário está ao serviço de poderosos (...), do crime de colarinho branco", declarou López Obrador na terça-feira.

Às vésperas do debate, a presidente da Suprema Corte, Norma Piña, equiparou a emenda a uma tentativa de "demolição do Judiciário".

Após aprovação na Câmara dos Deputados e no Senado, a reforma deve ser corroborada por 17 das 32 assembleias estaduais, o que é considerado garantido devido ao amplo domínio da esquerda. Em seguida, a reforma será promulgada pela presidência.

"Ditadura"

O partido governate obteve o apoio que faltava graças ao senador Miguel Ángel Yunes, do partido conservador PAN, que disse estar doente, mas compareceu para votar. "Traidor", gritaram os opositores.

Os partidos da oposição, que haviam prometido votar em bloco, denunciaram a pressão do partido do governo e a ausência suspeita de um senador de centro.

O presidente do Senado, por sua vez, afirmou que a invasão foi uma "tentativa de golpe" contra o Legislativo e culpou a oposição por facilitar a entrada dos manifestantes.

Os manifestantes seguiram para as imediações da sede alternativa do Senado, onde gritaram frases como "senhor Senador, pare o ditador!", em referência a López Obrador, autor do projeto. Também se envolveram em lutas com a polícia.

Para o advogado José Cordero, que viajou de Veracruz para protestar na capital, com a reforma está a ser "instaurada uma ditadura. Os advogados dependem de um sistema de justiça autónomo", disse.

Entre as mudanças provocadas pela reforma, a figura dos "juízes sem rosto" para combater o crime organizado preocupa Ana Paola Morales, estudante de relações internacionais, de 23 anos, ao violar o "direito de saber quem está a julgar e por que acusações".

López Obrador insiste que o voto aproximará a justiça do povo neste país, onde são registados cerca de 80 homicídios por dia e a impunidade supera 90%, segundo ONGs.