António de Sousa falava na II Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à Recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e à Gestão do Banco que ouviu esta terça-feira dois antigos presidentes do banco público: António de Sousa (presidente do banco entre 2000 e 2004) e Carlos Santos Ferreira (entre 2005-2008).
Questionado pelo grupo parlamentar do PSD, António de Sousa disse que foi ele que criou o departamento de risco na CGD assim que tomou posse, pois foi algo que considerou “prioritário” tendo em conta a sua experiência anterior no Banco de Portugal.
“A criação de um departamento de risco não foi igualmente bem aceite por toda a gente dentro da instituição”, disse o antigo gestor do banco, recordando que no banco se comentava: “porque é que este senhor vem para aqui agora criar modelos novos, de gestão de risco?”.
“Isso criou uma certa perturbação. Gerou choques e reações. As reações à minha frente não eram muito grandes, mas sei que elas existiam”, disse aos deputados, admitindo no entanto, que na altura, a avaliação do risco na banca "não tinha a importância que veio a adquirir mais tarde".
Ao grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (BE), António de Sousa falou ainda da carta enviada pelo ex-adminstrador da CGD, Almerindo Marques, a alertar para más práticas no banco - que o ex-governador do Banco de Portugal Vítor Constâncio disse durante a sua audição no parlamento no mês passado que não fazia ideia se a teria recebido - embora nunca a tenha visto "fisicamente".
"Conheço a carta, embora nunca a tenha visto fisicamente", disse o antigo presidente da CGD, acrescentando que quem o informou do conteúdo da carta de Almerindo Marques foi o então ministro das Finanças, Pina Moura, e o Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio.
“Operação Caravela” foi “ruinosa”
A “Operação Caravela” foi um investimento realizado pela CGD em 'eurobonds' emitidos em escudos, por emitentes internacionais e colocadas no mercado internacional, no final dos anos 1990.
"Era uma operação muito complexa e eu sei como foi ruinosa, porque fui eu que a amortizei a 100%", relembrou António de Sousa, questionado pelo grupo parlamentar do PS sobre o tema.
Segundo uma auditoria da EY à gestão da CGD entre 2000 e 2015, divulgada recentemente pelo Jornal Económico, a operação teve como o objetivo camuflar perdas no balanço do banco público face aos elevados níveis de dívida pública que se estava a desvalorizar, de cujos títulos a Caixa não se conseguia livrar no final da década de 90 e que gerou uma perda aproximada de 340 milhões de euros à CGD.
António de Sousa disse acreditar que objetivo da administração anterior à sua com a operação era a de obter lucros através do recebimento de "uma taxa de juro substancial", mas o que aconteceu foi que o banco público ficava responsável pelo ‘default’ dos ativos subjacentes às obrigações antes de conseguir obter qualquer lucro.
"Não entenderam bem aquilo que estavam a assinar. João Salgueiro não se apercebeu do risco que estava subjacente a uma operação daquelas", disse António de Sousa, acrescentando que nunca lhe foi explicado "exatamente" como é que esta operação foi feita.
De acordo com António de Sousa, na passagem de pasta, houve apenas “reuniões muito genéricas” com João Salgueiro e que se resumiram a “um almoço e uma reunião” onde o assunto não foi referido.
O relatório da EY, que deu origem à atual comissão parlamentar de inquérito ao banco público, analisa concessões de crédito que acarretaram elevadas perdas para a CGD.
Em janeiro deste ano foi conhecida a versão preliminar da auditoria da EY à gestão da CGD, em que são apontados problemas de concessão de créditos mal fundamentada, atribuição de bónus aos gestores com resultados negativos, interferência do Estado e ineficiências na gestão de risco.
Nesse documento divulgado pela comentadora Joana Amaral Dias a consultora avaliou sete operações de concessão de crédito com risco grave ou elevado e, só nestas, estimou perdas de mais de 1.000 milhões de euros, estando à cabeça as operações de financiamento da fábrica da La Seda, em Sines.
Ainda entre as operações com perdas elevadas estão empréstimos à Investifino (de Manuel Fino), para compra de ações da Cimpor dando ações do BCP e da Cimpor como garantia, Fundação Berardo, Auto-Estradas Douro Litoral e Vale do Lobo Resort.
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