“Nem o Governo, nem os proprietários, nem ninguém tomou, propriamente, grandes medidas de limpeza da floresta em Monchique”, disse à agência Lusa o investigador no Centro de Estudos Florestais (CEF) do Instituto Superior de Agronomia (ISA) da Universidade de Lisboa.

No âmbito de um estudo sobre as áreas de maior risco de incêndio este ano [divulgado em maio], os investigadores do CEF identificaram Monchique como o concelho mais preocupante, já que “é um sítio onde há historial de haver grandes incêndios, tem uma grande percentagem da área coberta por floresta ou por matos e a última vez que ardeu foi em 2003”.

De acordo com o coordenador do estudo, José Miguel Cardoso Pereira, a serra de Monchique não ardia há 15 anos, pelo que “estava desde essa altura, gradualmente, a acumular vegetação, que fazia prever que estivessem reunidas condições problemáticas e de alta probabilidade para ocorrência de fogo”.

Em relação aos trabalhos de limpeza da floresta, o investigador considerou que o que se fez neste concelho do barlavento algarvio, tal como no resto do país, foi “limpar uma pequena área em torno das casas, em torno das povoações”, pelo que o trabalho nas dezenas de milhares de hectares florestais, que foram já afetados pelo fogo, “não foi feito, nem agora, nem antes”.

“Houve planos de criar faixas largas com combustível reduzido para facilitar o combate e dificultar a propagação do fogo, mas só uma parte reduzida desses planos” é que passou para o terreno, “portanto estavam criadas as condições para que pudesse acontecer um incêndio de grandes proporções”, afirmou José Miguel Cardoso Pereira.

Para que seja reduzido o risco de incêndio em Monchique, o investigador defendeu que os cidadãos devem, individualmente, ter “mais cuidados com o uso do fogo” e a administração pública deve “concretizar esses planos de criar áreas e faixas em localizações estratégicas conhecidas, onde haver menos vegetação ajudaria a impedir a propagação destes grandes incêndios e tornaria o combate mais eficaz e mais seguro”.

Por outro lado, o especialista na área florestal apontou como “absolutamente indispensável”, uma vez que mais de 90% da propriedade florestal está na posse de privados, “que esses proprietários privados se comecem a organizar de maneira a gerir as suas terras em áreas maiores”, permitindo que “a floresta e os outros espaços rurais estejam em condições menos vulneráveis, que tenham menos acumulações de mato, que tenham as densidades adequadas de arvoredo e que tenham o tratamento que as torne mais defensáveis”.

Relativamente às espécies florestais, o professor do ISA da Universidade de Lisboa admitiu que “o pinhal e o eucaliptal são espécies bastante vulneráveis ao fogo”, no entanto, se a floresta tiver grandes acumulações de mato por baixo das árvores, o tipo de espécie “é perfeitamente secundário e a vegetação acaba por arder na mesma”.

Na perspetiva de Cardoso Pereira, a plantação de espécies autóctones na floresta portuguesa faz parte das soluções “muito simplistas e irrealistas” para resolver o problema dos incêndios em Portugal.

“Frequentemente, muitas das soluções que são sugeridas são feitas de modo ignorante e leviano”, criticou.

Questionado sobre as recentes medidas para a gestão da floresta portuguesa, o investigador do CEF disse que “o que tem sido feito pelo atual Governo está na mesma categoria do que tem sido feito por todos os outros Governo anteriores e não tem sido suficiente, como a realidade demonstra”.

Quanto às medidas de maior escala, que começaram a ser tomadas na sequência dos grandes incêndios de 2017, nomeadamente a transformação da estrutura da composição da floresta e a revolução das taxas de arborização nalguns sítios do país que têm mais floresta do que aquilo que conseguem defender, “manifestamente não houve tempo para essas medidas de fundo – que levam não anos, mas décadas a pôr em prática – começarem a ter resultados”, indicou.

A adoção destas medidas de fundo tem de começar “tão rapidamente quanto possível” e é necessário “segui-las consistentemente e não estar a alterá-las cada vez que há uma mudança de Governo”, apontou o investigador, acrescentando que é preciso, também, prestar atenção ao cenário de alterações climáticas, que dificulta o combate aos fogos.