O professor do ISCTE-IUL, que se prepara para apresentar esta quarta-feira na Assembleia da República o livro “Representação e Participação Política na Europa em Crise” – um conjunto de estudos organizado por si, Marco Lisi e José Manuel Leite Viegas – reconhece existirem “vários elementos que apontam para a recuperação” da qualidade da democracia portuguesa em relação ao período mais profundo da crise económica e financeira, que coincidiu com a intervenção da troika.
“Há sinais de recuperação do estado de saúde da democracia portuguesa, mas é preciso esperar pelos resultados dos inquéritos que estamos agora a recolher e ainda vamos analisar. Mas há vários elementos que apontam para esta recuperação, desde logo a avaliação que os portugueses fazem do Governo e da solução política. Esta avaliação é muito positiva – e isso já me dizem os meus dados”, afirmou à Lusa o investigador.
Alguns dos efeitos sistémicos da crise desde 2010 nos países mais afetados, sobretudo no sul da Europa – Portugal, Grécia, Itália e Espanha –, traduziram-se no enfraquecimento dos direitos civis e políticos, do Estado de Direito, e do funcionamento dos governos, levando publicações como a “Economic Intelligence Unit” e organizações como a Freedom House a baixarem os rankings das democracias portuguesa, grega e italiana, por exemplo, de plenas para “deficitárias”.
Esta tendência, descrita e aprofundada no livro que a Assembleia da República apoiou e se prepara para lançar esta quarta-feira, está em vias de reversão, constata André Freire.
“A maioria dos portugueses, sobretudo os eleitores dos partidos de esquerda, mas também os que não têm simpatia partidária, analisam positivamente, quer a solução política que sustenta o Governo constitucional, quer os resultados da governação”, afirma o investigador.
“Se há uma coisa a que estamos a assistir com este novo Governo – e não é só com o Governo, mas também com o novo Presidente da República – é a uma tentativa séria de cumprir os compromissos eleitorais”, explica ainda.
“Naturalmente, também há os condicionalismos externos - que temos que ter em conta -, mas isto é um elemento fundamental na regeneração da democracia. Portanto, acho que há vários sinais positivos de mudança”.
Esta "reconciliação entre o eleitorado e as elites políticas”, de acordo com Freire, é “fundamental”.
“Se isto perdurasse, se o PS tivesse prometido umas coisas e estivesse agora a fazer tudo ao contrário – como aconteceu com o Governo anterior, na opinião do investigador -, daqui a pouco ninguém acreditava nas eleições”, diz André Freire.
“Felizmente, isso não está a acontecer. Está a acontecer o contrário, há um esforço do Governo, mas também da maioria que o sustenta, e do Presidente, de cumprir os compromissos eleitorais. Isso é um elemento central na regeneração da democracia”, remata o investigador do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa.
O livro “Representação e Participação Política na Europa em Crise” é a segunda publicação em português de uma investigação que remonta a 2007/2008 e que se prolongará, pelo menos, até 2019, mantendo um mesmo foco original: analisar em que medida é que as preferências de eleitores e eleitos têm maior ou menor correspondência nos vários domínios da política expressos, incluindo tipos de governo e políticas públicas.
A crise e a intervenção externa receberam o papel central neste segundo trabalho – que compara os seus efeitos em Portugal e na Grécia, utilizando os mesmos instrumentos – que resulta da colaboração de investigadores portugueses e internacionais, sobretudo gregos.
O projeto global de investigação - que inclui a colaboração de investigadores de Portugal, Espanha, Itália, Grécia, entre outros - assenta num elemento central, que tem vindo a ser utilizado desde 2008, se prolongou em 2012 e 2016 e há de continuar em edições futuras, que é o da realização de inquéritos com perguntas semelhantes a deputados e eleitores, e respetiva comparação de resultados e evolução das respostas.
De toda esta investigação e produção académica, como sublinha Freira, “o que se revelou fundamental nestes estudos é que, numa democracia, as preferências da maioria dos eleitores devem ter uma tradução nas políticas públicas”.
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