Em entrevista à Lusa, a doutoranda da Universidade Nacional da Irlanda referiu que, em conferências internacionais, se deparou com “uma expectativa relativamente a Portugal e ao que deveria ser a investigação em Portugal que não corresponde ao potencial que existe”, no contexto do estudo da proveniência das obras de arte, em particular no período Nazi (1933-1945).
Num artigo publicado no Journal of Contemporary History, no final do ano passado, a investigadora constata que “os museus portugueses não conduziram, nas suas coleções, investigação sobre a proveniência da era Nazi”, algo que classifica de “surpreendente” devido ao facto de Portugal ser signatário dos Princípios de Washington sobre Arte Confiscada pelos Nazis.
Desta forma, “a inação do governo português não tem paralelo quando comparada com as ações de outros países neutrais [durante a Segunda Guerra Mundial] e contrasta com as investigações feitas pelos governos suecos e, mais recentemente, suíços”.
“Relativamente à falta de pesquisa de proveniência na era Nazi houve duas declarações assinadas pelos representantes do Estado português [Washington em 1998 e Terezin em 2009] em que se comprometiam a, pelo menos nas coleções públicas, levar a cabo esse tipo de investigação. De investigar, de facto, o que haveria nos museus do Estado, adquirido durante essa época ou posteriormente, mas com proveniência duvidosa relativamente” à época Nazi, afirmou Inês Fialho Brandão, que recorda o papel de Portugal como plataforma de movimento e de transporte de peças durante aquele período.
No artigo, a académica defende que “as dificuldades na localização e no acesso a fontes primárias em Portugal nas décadas que se seguem à Segunda Guerra Mundial não devem ser subestimadas”.
À Lusa, Fialho Brandão referiu que “há arquivos de instituições que estão divididos em quatro localizações diferentes, tutelas diferentes, métodos de acesso diferentes, a maioria dos arquivos, mesmo quando estão digitalizados, não são acessíveis facilmente, não são pesquisáveis e portanto a investigação é lenta e não produz os resultados imediatos que se veem em países onde esta questão é muito mais importante”.
Há ainda razões do foro financeiro, uma vez que “os museus estão sob pressão para produzirem programação e o trabalho de investigação sofre disso”, traduzindo-se a questão da proveniência em algo que não é tido por essencial à prática museológica e “portanto interpreta-se proveniência como o último sítio onde a peça esteve”, em vez de se traçar a “biografia do objeto”, ou seja, o retrato desde a criação até ao momento atual.
Inês Fialho Brandão admite ainda a “possibilidade de que esta seja uma área na qual não haja tanto interesse em entrar”, já que, tendo em conta a história colonial de Portugal, podem surgir pedidos de restituição de peças em território nacional por parte de países estrangeiros.
Assim, questionada sobre se há alguma possibilidade de haver, em museus portugueses, peças de proveniência duvidosa, a investigadora responde de forma afirmativa.
“É muito provável que existam várias peças de todos os tipos em que o encadeamento de propriedade legal tenha sido quebrado, mas isso não implica nem que haja má-fé no momento em que isso aconteceu nem que haja hoje. A má-fé começa ou quando se esconde propositadamente uma questão ou quando se sabe de facto que a peça é roubada e se compra de qualquer maneira”, declarou.
O artigo publicado na revista académica, intitulado “’O que há em Lisboa?’ Fontes portuguesas na investigação de proveniência da era Nazi”, com uma referência a um diálogo do filme “Casablanca”, conclui que “muitas questões estão ainda por responder, pelo que a localização e consulta de fontes até aqui impossíveis de encontrar é essencial”.
“O que há em Lisboa? Informação, à espera de ser encontrada”, resume.
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