Quando rodamos a cabeça para um lado, o campo visual “roda” para o lado oposto, quando andamos de comboio, a paisagem desfila pela janela, no entanto temos a íntima convicção de que somos nós que nos estamos a deslocar, enquanto o mundo permanece no seu sítio. Como é que o cérebro faz para não ser enganado pelas aparências.
Esta dúvida foi o ponto de partida para a investigação, liderada por Eugenia Chiappe, cujos resultados foram publicados na revista Nature Neuroscience.
Os investigadores descobriram no cérebro da mosca-da-fruta, um circuito neural que cria uma representação interna fiável da direção e velocidade de locomoção do inseto, permitindo-lhe assim perceber para onde vai a cada momento.
Os investigadores acreditam que estes resultados poderão ser válidos para outros animais, incluindo os seres humanos.
Segundo Eugénia Chiappe, “a perceção dos nossos movimentos como sendo nossos é-nos tão natural, está tão enraizada no nosso subconsciente, que acabamos por subestimar a complexidade – e a fragilidade – dos mecanismos biológicos que a sustentam”, mas “quando a perdemos, como acontece em certas doenças mentais ou na sequência de uma lesão, perdemos a capacidade de interagir com o mundo".
Para compreender este mecanismo, a equipa estudou um tipo especial de neurónios da mosca-da-fruta: as células HS (horizontal system cells), situadas numa zona do cérebro visual da mosca chamado “placa lobular”, que fazem parte de um sistema de monitorização que diz ao cérebro da mosca que foi ela que se moveu.
Este tipo de células, ditas de “processamento do fluxo ótico”, também existem no cérebro dos primatas, sendo que no caso dos primatas os neurónios recebem informação visual relativa aos movimentos oculares e da cabeça, mas também a informação não visual relativa aos seus movimentos de locomoção.
“Até aqui, isto não tinha sido provado”, diz Eugenia Chiappe, “porque era muito difícil criar artificialmente num macaco a ilusão de que está a andar.”
Com a mosca-da-fruta a tarefa é muito mais fácil, pois basta colocá-la em cima de uma bolinha suspensa no ar que roda quando a mosca anda e, ao mesmo tempo, registar diretamente a atividade das suas células HS.
Para confirmar a contribuição de sinais não visuais à atividade das células HS da mosca, os cientistas apagaram simplesmente as luzes. “O que nós mostrámos agora na mosca-da-fruta é que, mesmo no escuro, as células HS continuam a monitorizar os movimentos corporais através de sinais não visuais”, diz Eugenia Chiappe.
Neste estudo, os investigadores conseguiram ainda perceber que estes neurónios integram os sinais visuais e não visuais quando se acendem novamente as luzes.
A partir daqui perceberam que “quando a mosca vê, os dois tipos de sinais cooperam”, ou seja, graças a esta combinação de sinais, as células HS monitorizam e controlam o rumo da mosca, explicou a investigadora.
Para confirmar essa cooperação visual-não visual, os autores realizaram uma terceira experiência, em que o mundo exterior “reagia” de forma totalmente anti-natural: quando a mosca virava para um lado, o campo visual “rodava” exatamente para o mesmo lado!
Neste caso, as células HS desorientaram-se: “a seletividade direcional das células HS diminuiu e as células HS tornaram-se incapazes de diferenciar as direções para dizer ao cérebro da mosca para que lado a mosca estava a virar”, diz Eugenia Chiappe.
No decurso do estudo, os investigadores chegaram ainda a outra descoberta: a capacidade da mosca perceber a velocidade a que se desloca e a distancia a que estão os objetos para calcular corretamente a distancia até ao sítio onde quer pousar e fazer uma aterragem controlada.
A atividade das células HS está fortemente correlacionada com a velocidade do corpo da mosca, tanto quando anda em linha reta como quando muda de direção, o que significa que “é a partir da atividade das células HS que o cérebro da mosca calcula a sua verdadeira velocidade física, linear e angular”.
Comentários