É no Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge que epidemiologistas, médicos de saúde pública, microbiologistas dedicam longas horas dos seus dias a analisar a evolução da pandemia, a determinar o famoso “Rt”, a estudar as variantes do vírus SARS-CoV-2 e a analisar amostras suspeitas de covid-19.
Uma análise que é apresentada regularmente pelos investigadores Baltazar Nunes e João Paulo Gomes nas reuniões no Infarmed, em Lisboa, em que juntamente com outros peritos aconselham o Governo na tomada de decisões para travar a pandemia.
“Não somos profissionais da linha da frente a tratar de doentes, mas desde o dia 13, 14 de março que começámos a produzir informação para a tomada de decisão, que fazemos em termos contínuos”, conta à agência Lusa Baltazar Nunes.
Boa parte do tempo dos investigadores é passado em frente a um computador, a ler artigos, a analisar dados ou escrever relatórios. “Somos capazes de ter escrito mais de 200 ou 300 relatórios durante todo este período”, diz o epidemiologista.
Foi neste laboratório de referência de saúde pública em Portugal, fundado em 1899 pelo médico e humanista Ricardo Jorge, que foram confirmados os primeiros casos de covid-19 em 02 de março de 2020, associados a histórias de viagem a Itália e a Espanha.
“Os primeiros alertas de que algo se estava a passar e que devia ser valorizado foi ainda nos últimos dias de dezembro [de 2019]”, em que circulava a informação que havia “vários casos de pneumonia” de um agente ainda desconhecido e desde essa data intensificaram-se os contactos”, recorda Raquel Guiomar, responsável pelo Laboratório Nacional de Referência para o Vírus da Gripe e outros Vírus Respiratórios.
Logo no fim de janeiro do ano passado, o laboratório começou a analisar casos suspeitos de covid-19 e desde então já realizou 180 mil testes de diagnóstico.
Apesar de nessa altura a situação ainda “não ser publicamente assumida como uma emergência”, o INSA já estava a fazer um trabalho laboratorial, “muito ainda de bastidores”, para implementar rapidamente o diagnóstico, o que acabou por acontecer no final de janeiro.
A equipa de Raquel Guiomar, que teve de ser reforçada, estava alerta 24 horas por dia para dar em “poucas horas um diagnóstico fiável” para limitar a transmissão deste novo agente na população.
A virologista diz recordar-se bem do dia em que a chegada da pandemia foi confirmada em Portugal: “Eu e um colega do laboratório viemos à meia-noite confirmar pela metodologia de referência (…) se era mesmo o primeiro caso de covid-19 a nível nacional”.
Nesta altura também começou um novo desafio para o investigador Vítor Borges, que reparte os seus dias entre o laboratório, onde analisa as amostras do SARS-CoV-2 já inativado para fazer a sequenciação do genoma, e a plataforma bioinformática.
A vantagem que tiveram, conta, é que o INSA já tinha desenvolvido uma plataforma bioinformática para a vigilância do vírus da gripe que conseguiu adaptar para o novo coronavírus, tornando as análises do genoma “muito mais simples”.
Também contaram com a “enorme colaboração” internacional que estava a haver, com a partilha de reagentes e protocolos, lembra Vítor Borges, junto aos computadores em que se veem com gráficos que parecem uma pintura abstrata.
Para o microbiologista, “contribuir para o desafio maior que a saúde pública teve no último século à escala global é com certeza marcante em termos de carreira” de todos os profissionais e da instituição.
Deste ano dedicado à luta contra a pandemia, o presidente do INSA destaca a capacidade dos profissionais em superarem-se, mas também da população que começa a acusar fadiga pandémica, e a cooperação com a academia, os laboratórios e os hospitais.
“Ninguém trabalha sozinho nesta epidemia. Todos os que quiserem trabalhar sozinhos arriscam-se a desaparecer e arriscam-se se a não contribuir rigorosamente para nada e a fazer ruído”, diz Fernando Almeida, na sala onde estão expostas as fotografias de todos os presidentes do INSA.
Se o seu nome ficará na história ligado à pandemia enquanto presidente do INSA, diz nunca ter pensado nisso, mas, afirmou que, se isso acontecer, que seja “por ter prestado um bom serviço” ao país.
“Se for assim já me sinto contente. Agora eu sou só a cabeça deste maravilhoso Instituto porque todas as pessoas que estão no laboratório a trabalhar dia e noite, sábados, domingos e feriados, essas sim têm um nome”, salienta.
Mas, apontando para a fotografia de Ricardo Jorge, pioneiro da saúde pública em Portugal e que travou a gripe espanhola há 100 anos, Fernando Almeida confessa “ser uma tremenda responsabilidade estar ao lado deste senhor”.
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