A diminuição de 84% dos furtos de azulejos é um dos resultados do trabalho do Projeto SOS Azulejo, lançado em 2007 pelo Museu da Polícia Judiciária e que continua ativo na promoção da salvaguarda do património azulejar do país.
Este é um dos resultados quantificáveis do projeto, segundo o relatório de 2022, mas as perdas dos azulejos históricos e artístico do país são “incalculáveis” e “muito mais vastas na sua forma legal”, alertou a coordenadora do SOS Azulejo, Leonor Sá, em entrevista à agência Lusa.
“Quando as pessoas pensam em delapidação azulejar lembram-se mais dos furtos, mas estou convencida que se pudéssemos fazer uma análise quantitativa e comparativa, as perdas mais substanciais foram as realizadas por via legal do que por meio ilegal”, avaliou.
O azulejo tem 500 anos de produção nacional e ganhou tradição em Portugal na arquitetura, revestindo inúmeras igrejas e palácios nobres, outros edifícios da paisagem urbana do país e nas artes decorativas.
“Os portugueses sempre viveram rodeados de azulejos e não lhes conferiram a importância que têm. Quando os estrangeiros chegam a Portugal ficam absolutamente deslumbrados e assombrados. É um património que não existe na mesma expressão em qualquer outro país”, sublinhou a mentora do projeto, lamentando a atitude negativa de “banalização deste património”.
A arte da azulejaria criou raízes na Península Ibérica trazida pelos árabes, que produziram mosaicos para ornamentar as paredes de palácios e outras habitações. A técnica foi adotada pelos artesãos, que conceberam padrões ao gosto local.
No virar do século XX para o século XXI, e sobretudo a partir dos anos 1980, este património azulejar foi alvo de demolições e remoções um pouco por todo o país.
“Estas perdas eram muito frequentes, e ninguém falava no assunto. Não havia sensibilização. Era um não-tema, uma matéria que não era abordada ou debatida, nem na sociedade civil, nem na academia, ou entre especialistas”, disse à Lusa a conservadora do Museu de Polícia Judiciária (PJ) - Instituto de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, em Lisboa.
Foi neste contexto que surgiu o SOS Azulejo, um projeto que procurou ir além da responsabilidade do trabalho das brigadas de obras de arte da PJ - com a missão de investigar os furtos nesta área – para desenvolver a vertente da prevenção criminal e promoção da salvaguarda deste património.
Leonor Sá recordou que, desde que o projeto começou, há 16 anos, até hoje, e sobretudo a seguir à aprovação, em 2017, de legislação no parlamento, “deu-se uma diminuição drástica das demolições e das remoções de azulejos, que passaram de frequentes para casos excecionais, mas que não é possível quantificar exatamente, porque não existem números”.
Antes de conseguir a aprovação de um conjunto de propostas na Assembleia da República, o projeto teve de percorrer um longo caminho que começou pela capital, onde apresentou, em 2011, propostas para incluir a proteção deste património no existente Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa (REMUEL).
“Propusemos duas medidas que interditaram a demolição de fachadas azulejadas e a remoção dos azulejos. Foi extremamente importante, porque os edifícios até então só eram possíveis de ser protegidos através de classificação, e tinham de ser especiais”, recordou Leonor Sá.
A entrada em vigor do novo REMUEL, em Lisboa, em 2013, fez com que o património azulejar passasse a ser visto como um todo, e todos os seus elementos tivessem de ser protegidos.
“Antes da entrada em vigor desse regulamento, as demolições eram praticamente semanais em Lisboa. Era um massacre”, lamentou a coordenadora do projeto, lembrando que este património azulejar “é absolutamente identitário da cultura portuguesa e nele se pode ler a História de Portugal”.
Um passo seguinte foi - através da parceria com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), com 300 membros – sensibilizar as autarquias de todo o país para adotar o mesmo regulamento, mas, como “ao longo de três anos pouco ou nada aconteceu”, o SOS Azulejo preparou propostas para apresentar no parlamento a partir de 2015.
Dois anos mais tarde viu concretizado o objetivo da aprovação da lei 79/2017, que interdita a demolição das fachadas azulejadas e remoção de azulejos a nível nacional.
De acordo com a coordenadora do SOS Azulejo, “de um modo geral, e paulatinamente, os municípios têm estado a interiorizar esta sensibilidade, nova maneira de valorizar o património, e a cumprir a lei, mas ainda há uma ou outra exceção”.
“Esta legislação veio estancar a sangria de delapidação azulejar que tinha havido até 2017. No entanto, é preciso continuar a chamar a atenção dos municípios para este património”, reiterou, apontando que não é função do projeto fazer fiscalização, fora do âmbito das suas competências.
Inventário de património azulejar e mapa nacional do azulejo é o caminho?
A coordenadora do Projeto SOS Azulejo, Leonor Sá, defendeu a inventariação do património azulejar em todo o país para reforçar o seu conhecimento e salvaguarda, ultrapassadas as décadas de destruição sistemática.
“Não podemos proteger aquilo que não sabemos exatamente que temos. É mesmo a medida mais básica, inventariar o património”, sublinhou a responsável, em entrevista à agência Lusa, a propósito de um balanço de 16 anos de atividade do projeto criado pelo Museu de Polícia Judiciária (PJ) - Instituto de Polícia Judiciária e Ciências Criminais, em Lisboa.
A iniciativa nasceu oficialmente em 2007, numa altura em que “a delapidação azulejar era dramática”, mas que se reduziu substancialmente desde essa altura, nos furtos e, sobretudo desde a aprovação da lei 79/2017, que interditou a demolição das fachadas azulejadas e remoção de azulejos históricos e artísticos a nível nacional.
Foram as propostas apresentadas pelo Projeto SOS Azulejo a partir de 2015, na Assembleia da República, que levaram ao debate de uma questão que até então estava totalmente fora do debate público e até académico, segundo Leonor Sá.
Considerado um caso único a nível mundial devido às suas características particulares e variadas, o azulejo tem 500 anos de produção nacional e ganhou tradição em Portugal na arquitetura, revestindo inúmeras igrejas e palácios nobres, entre outros edifícios da paisagem urbana do país.
Ultrapassadas as décadas – sobretudo a partir dos anos 1980 – de furtos, demolições e remoção de dezenas de milhares de azulejos por todo o país, o projeto continua ativo e a chamar a atenção das autarquias, através dos seus parceiros, para a necessidade de preservação.
Uma das resoluções aprovadas no parlamento, em 2017, recomendou a proteção e valorização do património azulejar português através de várias medidas, entre elas a inventariação, “a medida basilar de qualquer intervenção de salvaguarda”.
A conservadora do Museu da Polícia Judiciária considerou que seria “muito interessante” fazer uma quantificação do património azulejar que existia e comparar com a situação atual, “para perceber o que se perdeu”.
“Temos vindo a tentar incentivar os municípios que não têm esses inventários a realizá-los. São muito poucos os que já os têm”, indicou a coordenadora do projeto à Lusa, sublinhando ainda a necessidade de que “sejam realizados com os mesmos critérios”.
O objetivo seria “unificar esses inventários municipais e criar um mapa nacional do azulejo, com muitas vantagens para a sua preservação e promoção, dentro do património cultural do país”.
Embora considere que “o património azulejar português continua em risco parcial”, Leonor Sá fez um balanço positivo dos resultados alcançados, com a redução progressiva dos furtos de azulejos históricos e artísticos, e as já raras demolições que violam a lei em vigor.
“Resiliência, é um dos segredos. É ficar contente com cada centímetro que se consegue avançar e ganhar ânimo para conquistas futuras”, comentou, sobre uma iniciativa que surgiu na esteira de outros projetos anteriores dedicados à proteção de património de museus e igrejas do país pela PJ.
Apesar de o arranque do projeto se ter dado em 2007, o processo de obtenção de parcerias começou seis anos antes, e atualmente são oito as entidades envolvidas: a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC), universidades de Lisboa e de Aveiro, Politécnico de Tomar, PSP e GNR.
Em 2013, o Projeto SOS Azulejo foi distinguido com um Prémio da União Europeia para o Património Cultural - Europa Nostra, dedicados ao património cultural europeu.
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