A Vigília de sábado podia só começar às 20h45, mas desde a abertura de portas do Parque Tejo que as filas de jovens entravam no recinto e tentavam ocupar os melhores lugares. Contudo, o que todos procuravam não existia, nos setores onde mais tarde iriam passar a noite: sombra.
Ao longo dos vários quilómetros de espaço a criatividade começa a exprimir-se e os peregrinos tentam montar tendas, tapar-se do sol com tudo o que têm à mão. Ainda no setor A, um dos mais próximos do palco, um grupo de jovens discute. São eles Carla, María e Bruno, estão a organizar os colchões para "uma noite mágica", mas "é stressante porque o espaço é pequeno e não pára de entrar gente. Há gente que começa a pôr as coisas em cima das coisas dos outros". Espanhóis, de Cadiz, estão há uma semana em Portugal, dizem que organizar o acampamento de baixo de sol nunca será tão stressante quanto apanhar transportes nos últimos dias e arranjar sítio onde comer. Com idades compreendidas entre os 17 e os 18 anos dizem que "se passa um bocadinho mal com o calor", mas como quase todos os peregrinos de imediato vêem o lado positivo e dizem, "mas também somos do Sul, calor é coisa a que estamos habituados. Tudo se passa". Embora, confessem, "é o dia com mais calor, nunca pensámos que estivesse tanto calor".
As mantas térmicas, usadas normalmente em situação de primeiros socorros, são a salvação de quem tenta não apanhar escaldões ou abrigar-se do sol e do calor, no geral. A juntar às mantas, há águas que são vertidas pela cabeça abaixo, bandeiras a fazer de tenda, guarda-chuvas a passarem de mão em mão. E, à falta de melhor solução, tirar a roupa é a opção. Chiara, Francesco e Alicia são adeptos de tirar a roupa e molhar-se, "é a única forma de nos mantermos frescos". Quando o SAPO24 se cruza com o grupo de italianos,, as duas peregrinas estão de sutiã e Francesco sem t-shirt, os três ensopados em água. Explicam que tinham acabado de fazer um longo percurso para ali chegar, e estado 1h30 numa fila para entrar no recinto, "estava muito calor, tínhamos de fazer isto". Mas nada os pára, dizem estar preparados para o calor do resto do dia, e de domingo, dia em que se esperam 38º em Lisboa. "Estamos no centro do acampamento, não há sombras. Vamos morrer de calor, mas estamos preparados". Têm esperança que a noite traga frio, e se for uma noite fria dizem preferir isso ao calor que se faz sentir.
Os truques para a proteção do calor vão passando de boca em boca. Os caixotes do lixo transformam-se nas fundações de muitas tendas, com bandeiras a fazer de telhado. A solução passa, muitas vezes, por molhar panos, t-shirts e encostá-los perto do corpo. Mas depressa secam. Anastasia, uma peregrina italiana, está de biquíni deitada a apanhar sol, com outras duas peregrinas também de biquíni. De repente, olhando para aquele grupo quase que se é transportando para um qualquer campismo no verão. Anastasia explica que não estava à espera do calor, mas esta manhã quando viu as temperaturas não teve dúvida da roupa a escolher. Tem na ponta da língua os seus truques para ultrapassar o calor, "biquíni, não apanhar sol direto na cara, muita água, comer coisas leves e pôr protetor solar".
O caos e o amontoado de jovens é o mais comum pelo Parque Tejo, mas há um espaço que chama à atenção por destoar tanto da desorganização. Um grupo japonês tem os colchões dispostos como se estivessem estado a medir a regra e esquadro o espaço. E em cima dos colchões nada, nem eles próprios. Não tarda muito para encontrar os cerca de dez peregrinos a aproveitar a sombra improvisada de um grupo de outra nacionalidade.
Um grupo de madeirenses também parece ter encontrado a solução para o calor, e avaliar pela temperatura que se faz sentir no sítio onde estão, será uma das melhores. Já em Lisboa compraram tudo o que conseguiram para improvisar uma tenda, telas de tecido grosso e escuro, e agora são a inveja de muitos outros peregrinos. Calmamente, explicam que "está a correr tudo bem", "não fazíamos ideia do calor que ia estar. Já sabíamos que ia estar calor, mas não tanto." A ideia "surgiu da cabeça dos miúdos" e agora há 10 pessoas do grupo que descansam calmamente debaixo de uma sombra, e onde vão poder passar uma noite de "fé e união".
Nas colunas são constantes os avisos de boas práticas durante o calor, e a organização começa a improvisar e a pulverizar os peregrinos com água. "Vamos apanhar uma molha, bora. Lindo!" Dizem uns jovens depois de terem sido molhados por um carro que transporta um depósito de água que vai sendo despejado, aos poucos, sobre quem quer ser molhado. E são muitos a quererem ser molhados.
Ao longo da tarde e noite, os peregrinos continuam a aparecer de todo o lado, preparados com tudo o que podem precisar durante a noite. Mas muitos não estavam preparados para algumas das condições do Parque Tejo, embora as aceitem com um sorriso no rosto. Um padre jesuíta francês, explica que "não queremos muito, mas só um bocadinho de sacrifício também não faz mal. Mas só um bocadinho". Um dos sacrifícios, para muitos, foram as zonas com lavatórios de água potável, para encher garrafas e lavar a cara e os dentes. Ainda ao início da tarde revelaram-se uma dor de cabeça, alagando tudo à sua volta e tornando lama a terra do Parque Tejo. Um dos casos parece ser provocado por uma fuga num cano, e foi graças a peregrinos expeditos que não se tornou um problema maior. De colheres de plástico, e latas de atum vazias escavaram uma vala para encaminhar a água para o Trancão. Ao SAPO24 explicam que "não foi nada demais". E quando confrontados com a possibilidade de terem que dormir num espaço alagado dizem, "nós estamos a dormir mais à frente só viemos ajudar. Pegámos no que pudemos encontrar e começamos a escavar". Enlameados e cansados, mas nada os demove "se a água alastrar para o nosso lado, dormimos quer consigamos quer não. Mas estamos confiantes na nossa vala", dizem os franceses Greg e Cristophe.
Pelas 16h30 a ideia de que o calor vai amenizar parece uma miragem, e o refrão da música que se ouve a vir do palco não podia estar mais adequado à situação "Sinto o calor, sinto o calor". É certo que era um calor mais metafórico e espiritual, mas por estes dias os peregrinos sentem-no também literalmente.
Miríam, Clara, Núria e Paula, já esperavam o calor, tinham "muita vontade" de ali estar mas estão a sentir "muito calor. Às três espanholas de valência vale-lhes o leque que não sai das mãos e a roupa clara que escolheram propositadamente para este dia.
Além da música que se vai ouvindo através das colunas, tenta-se gritar mais alto "emergência", amiúde, o calor vai fazendo as suas vítimas e um pouco por todo o lado há gente a sentir-se mal, a ser transportado, ou a pedir ajuda para alguém que acabou de desmaiar. Já depois de passar a ponte para Loures, uma peregrina canadiana explica, enquanto desvia pedras para poder ter um sítio mais confortável onde dormir, que o calor lhe está a custar porque no seu país a temperatura é mais amena. Quanto às pedras que há naqueles setores do terreno, a contrastar com o que se vê até ali, diz que "tanto faz, faz parte da experiência, creio." Para a peregrina nada lhe retirará o prazer da experiência, "é só desviar mais pedras, beber água e pôr protetor solar".
Para gáudio de alguns peregrinos, a zona de Loures tem várias canas nos terrenos mais pantanosos. Depressa percebem que as podem ir buscar e tornar a estadia mais confortável. É o caso de Pedro que passa com várias às costas, "fui buscá-las para fazer uma cabana", o espanhol continua "como não temos sombra e há muito calor assim ficamos mais confortáveis".
Com o entardecer chega uma esperada aragem e os peregrinos respiram de alívio. À noite, as camisolas começam a sair das mochilas. "Há vento", dizem três peregrinas italianas, de camisolas e lenços ao pescoço, como se finalmente tivessem recuperado energia, "mas há um problema, mais tarde vai ser muito mais frio" diz Alessia preocupada. As três amigas italianas divergem na opinião, para Chiara e Carlota é "muito melhor e mais suportável o frio", Alessia discorda. Estão na fila para lavar os dentes antes do que será a última noite de JMJ. Não sabem se vão conseguir dormir, mas garantem que vão, pelo menos "tentar". A noite será longa.
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