“O ano parte de uma folha em branco de um património que dávamos por adquirido”. A frase é de João Fernandes, presidente da Região de Turismo do Algarve (RTA) e retrata as contas que o turismo nacional foi e é obrigado a fazer perante uma realidade até então nunca enfrentada.

A pandemia do novo coronavírus alterou a ordem mundial existente. O Algarve, tal como todos os destinos turísticos, em Portugal e no resto do mundo, fechou as portas durante mais de dois meses. Depois, as fronteiras terrestres reabriram, as rotas aéreas foram retomadas aos poucos, e o movimento turístico, nacional e externo, arrancou, timidamente. Com o verão a meio, é a meio-gás que o turismo anda. E começa a acelerar.

“Em março, a taxa de ocupação na hotelaria foi 50 % abaixo do ano anterior. Abril e maio foi zero e, em junho, 10%. Diria que o setor hoteleiro sofreu perdas de 260 milhões, durante o primeiro semestre”, refere João Fernandes, que não deixa de exaltar o início do ano. “Em janeiro e fevereiro crescemos 14%”, destaca em conversa com o SAPO24 antes da abertura do corredor aéreo do Reino Unido.

Em todos os países, para além do apelo ao turismo interno, o presidente da RTA destaca dois factores. “Tem a ver com a confiança para viagens e a perda de rendimento, seja por desemprego e ou lay-off, e logo menor capacidade de viajar”.

Continua. “Independentemente dos corredores (aéreos), que são mais ou menos profícuos para a atividade, há em todo o mundo muito menos gente a viajar e, nomeadamente, um menor fluxo do norte da Europa para o sul. Não há normalidade em nenhuma parte do mundo e todos os destinos estão afetados”. Em relação ao “Algarve, que depende de 75% do mercado externo, esse impacto sente-se de forma mais acintosa”, garante.

O avião é o principal meio de transporte utilizado, o que impacta nos números. “Estamos ligados a 63 cidades europeias. O problema não é a taxa de ocupação dos aviões, que para a realidade que vivemos não são más”, garante. Nos meses de junho e julho, a região foi “das primeiras a abrir as rotas norte-sul da Europa”. No entanto, “em julho, estavam a operar 35% das rotas do ano anterior”, atesta.

Para quem tem a mais importante região turística do país nas mãos, a questão não passa somente pela retoma das ligações. “Tem de haver procura. E essa, não há como tínhamos nos anos anteriores. Nem para o Algarve, nem noutros destinos”, remata.

“Os portugueses, no período do verão, são sempre a presença mais expressiva”

A decisão do governo britânico de impor a quarentena no regresso a quem viajasse de e para Portugal foi um tema que ocupou a agenda política e económica do país. A particular importância advém do facto do Reino Unido ser o principal mercado emissor de turistas para Portugal (30%) e serem responsáveis por mais de 3 mil milhões de euros de receitas para Portugal. No caso do Algarve, a região acolheu, em 2019, uma fatia de mais de 20 milhões de dormidas.

Agora que os charters vindos das ilhas britânicas começaram a aterrar a partir da madrugada de 22 de agosto, o número de reservas na hotelaria começa a refletir esse fluxo, representando uma esperança para um verão tardio a sul o país.

No entanto, João Fernandes chama a atenção para um dado. É o turista português quem dita a lei no Algarve durante os meses de julho e agosto. É assim desde sempre. “Os portugueses, no período do verão, são sempre a presença mais expressiva. São o maior número de turistas na região. E não é de agora. A nível de hotéis representam 33%. A seguir, são os britânicos. Depois Holanda e Alemanha”, enumera.

créditos: LUIS FORRA/LUSA

Em contraponto, “durante o resto do ano, os britânicos são o primeiro mercado emissor”, consumindo outro produto para além do sol e praia. “A partir desta altura, setembro e outubro, é a época alta do golfe”, aponta.

João Fernandes salienta a estratégia levada a cabo pela região turística a que preside e que assenta em dois pontos: a diversificação de mercados emissores e da oferta. “Esbatemos a sazonalidade e a litoralização”, sublinha.

No que toca a quem visita o Algarve, os números falam por si. “O Reino Unido já representou 59%. No ano passado, foi 49%. Não significa que tenham diminuído. Até aumentou em número. Significa é que, para além dos cinco primeiros mercados emissores, todos os outros cresceram”, aponta. “Verificamos um crescimento de 300%, em 5 anos, no mercado italiano, brasileiro, canadiano, americano e francês”, enumera.

A lógica de procura de outros mercados permitiu ter mais turistas de origens diversas. E gerou-se mais motivos de visita fora da época alta. “Golfe, turismo náutico, a vela, que é o motor para que novos residentes comprem uma segunda habitação, turismo de natureza, que tem uma procura crescente, que decorrem no período de inverno”, salienta sem esquecer os dois grandes eventos do desporto motorizado que se realizam no autódromo de Portimão, a Moto GP e o GP de Fórmula 1. “Um marco para região e país. E uma ajuda para a retoma da atividade”.

Aproveitar a crise para reformular a mão-de-obra

A pandemia da covid-19 teve um impacto muito significativo na região algarvia, muito dependente da atividade turística. De acordo com os dados divulgados pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), em julho, o desemprego na região subiu 216% em relação a período homólogo. Ao todo, 22.850 desempregados.

“A dor do momento é profunda. Serão dias duros. Mas sempre que houve momentos como este, e já tivemos em 2001, 2009, crises acentuadas, na fase seguinte houve produção de inovação e rejuvenescimento no tecido empresarial. Jovens mais capazes para digitalização, domínio de línguas e de um mind set associado à autenticidade. Nesta crise também vai acontecer. Temos que ver a oportunidade de sair melhor”, salienta.

“O Algarve está preparado para se reinventar. Já se reinventou muitas vezes. É, há 40 anos seguidos, o principal destino turístico para portugueses e estrangeiros”, assegura.

“A mudança agora é mais abrupta e temos que ter instrumentos mais imediatos de resposta. Mas o mais importante é que existe estratégia, visão. Não há falta de ideias. Está esplanada em planos estratégicos há muitos anos”, assevera.

Nesse sentido, João Fernandes, presidente da RTA garante que está a trabalhar com a tutela num plano setorial para turismo que engloba o “apoio ao emprego e qualificação de profissionais”, frisa. “Nesse período desafiante não podemos perder essa oportunidade. Sair da pandemia com melhor qualidade de serviço, para sermos, depois, mais competitivos”, aponta.

Para os futuros desafios que esperam o turismo, pega na frase “cidade inteligentes” esplanada no plano de recuperação económica desenhado por António Costa Silva. “Há as regiões inteligentes e destinos sustentáveis, onde cabe a mobilidade elétrica e as alterações climáticas. As tendências são a sustentabilidade, as Tecnologias de Informação e digitalização. Era o que estávamos a fazer”, finaliza.