Aos 19 anos trocou Portugal pelo Reino Unido e hoje é em Londres que tem a sua casa, agora arrendada para ajudar a financiar o seu mais recente projecto: uma organização não-governamental (ONG) na área da saúde mental que desenvolve programas de voluntariado no Nepal e no Sri Lanka.
“Ali a pobreza é tão abjecta que se assiste a um nível de desumanização que já não é visível nesta parte do mundo”, conta João Maria Marçal Grilo. E recorda o caso do bebé que em Maio do ano passado foi atirado de um terceiro andar. “A mãe, que sofria de depressão pós-parto e também de esquizofrenia, foi deixada sozinha com o recém-nascido e atirou-o pela janela do hospital. Por milagre o bebé aterrou numa poça de lama e ficou apenas com um pequeno trauma numa perna.”
No Nepal o suicídio é a principal causa de morte das mulheres entre os 15 e os 49 anos de idade.
A história acabou bem e é das mais brandas que conta. “O nível de violência a que as pessoas estão expostas nestas sociedades é brutal.” No Nepal o suicídio é a principal causa de morte das mulheres entre os 15 e os 49 anos de idade. Os números não são mais animadores para os homens. Custa acreditar, sobretudo para quem conhece apenas o lado para turista ver.
“As pessoas têm dificuldade em expressar emoções, não falam de si. Há uma enorme dificuldade em reflectir. Em nepalês não há palavras para esquizofrenia, bipolaridade ou alucinação. São conceitos que não são falados, e são tratados de maneira muito diferente da ocidental. Neste momento estou a trabalhar num livrinho para os enfermeiros saberem o que têm de perguntar quando avaliam um paciente. Não é fácil, há vocábulos que não existem, como tristeza, que fica na base da sensação de vazio, de uma impressão no estômago.”
João Maria Marçal Grilo criou a Unity in Health, da qual é director, em Outubro de 2014. A sua missão é apoiar médicos, enfermeiros, psicólogos e psiquiatras em países do terceiro mundo e também formar pessoas sem qualquer qualificação nesta área, pura e simplesmente porque não existem profissionais de saúde em determinadas zonas do mundo e alguém tem de os substituir e desempenhar o seu papel.
Foi preciso ultrapassar diversos obstáculos para chegar aqui, a começar pela burocracia. Mas registar uma ONG em Inglaterra não foi uma dor de cabeça. «Está tudo muito bem explicado: é preciso um conselho de direcção constituído por figuras honorárias, que não têm salário, uma parte obrigatoriamente de nacionalidade britânica, todas com mais de 18 anos, mas o critério de escolha é nosso. Neste caso foi importante haver alguém que soubesse de contabilidade, de questões jurídicas, de saúde… O mais difícil talvez tenha sido encontrar essas pessoas, gente com quem sabia que podia contar. O resto foi elaborar os estatutos e saber que é preciso apresentar contas”, explica João Maria.
Pouco mais de três anos passados, a fase é outra e o maior desafio é o financiamento. “É um pouco a história do ovo e da galinha: para ter dinheiro é preciso apresentar projectos e para apresentar projectos é preciso ter dinheiro. Ninguém nos vai dar dinheiro só porque somos um grupo de pessoas fantásticas ou muito boazinhas e decidimos dedicar-nos a ajudar os outros”, ironiza. Mas a inversa também é verdadeira: sem projectos feitos não há trabalho para apresentar a potenciais financiadores. Por isso, nos primeiros meses João Maria e Shannon, sua parceira de trabalho, tiveram de entrar com o próprio dinheiro para pagar viagens e todas as despesas associadas e começar a construir um portfólio.
E foi isso que trouxe João Maria Marçal Grilo a Portugal nestas semanas. O apartamento que comprou em Londres com tanto esforço e de que tanto gosta está agora arrendado e é também uma fonte de receitas para pagar as contas do voluntariado. “Não somos uma companhia que vai dar lucro, não estamos a tentar convencer um investidor a aplicar fundos para obter retorno.” Embora a mais-valia seja óbvia.
“Esta área não é sexy. Dar dinheiro para construir hospitais ou salas de cardiologia é bonito. (...) Gostamos de gente bonita, perfeita, e a deficiência não se encaixa neste padrão.”
Medir resultados também não é fácil. “É preciso conceber o projecto a pensar no fim. E na saúde mental nem tudo é visível, não se trata de uma condição clínica como ter um braço ou uma perna partidos. Além de que esta área não é sexy. Dar dinheiro para construir hospitais ou salas de cardiologia é bonito. Mas a saúde mental ainda está muito associada a maluquinhos, é uma coisa que queremos esconder. Gostamos de ver gente bonita, perfeita, e a deficiência não se encaixa neste padrão. Outro obstáculo é não trabalharmos na construção física de nada, no fim dos programas não temos uma fotografia de duas novas escolas para mostrar ou de 100 crianças a receber 30 livros cada.”
Apesar disso, a Unity in Health conhece a sua importância. “Não se trata de beatice ou de caridadezinha. Uma das formas de medir o que fazemos é focarmo-nos na qualidade. A cada seis meses são feitos relatórios de avaliação, por isso sabemos quantas pessoas receberam formação, quantas organizações foram ajudadas, quem são os destinatários dessas organizações.
Conhecemos o impacto das nossas acções na prática, no bebé atirado pela janela. E precisamos de ter isto escrito, para nós e para os nossos mecenas, para os nossos financiadores. O problema de formar mais médicos, enfermeiros e profissionais de saúde é que não acontece de um dia para o outro, demora anos. E entretanto é preciso alguém que ocupe esse espaço. Uma das nossas funções é encontrar voluntários nessa parte do mundo com tempo para iniciar processos específicos. Começámos no Sri Lanka e já estamos no Nepal, para onde vou em Fevereiro”, adianta João Maria.
Mudar de vida
João Maria Marçal Grilo é o mais novo de quatro irmãos. Filho de Luís e de Madalena Marçal Grilo, ele arquitecto, ela durante anos e até há poucos meses directora executiva da Unicef em Portugal, soube aos 13 anos que era em Londres que queria viver.
“Era onde me sentia em casa, sempre me senti um pouco apertado em Portugal. Não se trata de rejeição, mas em muitos aspectos não me identificava, o que é curioso, porque hoje vejo em mim traços bem portugueses, como não parar de mexer as mãos enquanto falo - sou muito mais táctil que os meus amigos ingleses. E quando recebo alguém sou incapaz de não perguntar se quer comer ou tomar alguma coisa”, ri-se.
Diz que os portugueses mudaram muito, mas os ingleses também. Nalgumas coisas, noutras ficaram na mesma. “Surpreende-me ligar a televisão e a primeira notícia ser sobre futebol. Como é possível num país de 10 milhões de habitantes? E falam horas sobre o assunto, que é uma coisa que não acontece nem em Espanha nem em Inglaterra, onde também adoram futebol. Têm as prioridades invertidas”, considera. “Penso que os media têm uma posição tão forte, tão privilegiada para ajudar as pessoas no seu processo de evolução dando apenas notícias factuais, que lamento a guerra de audiências que os leva por caminhos menos isentos, com pivots cheios de protagonismo e uma hierarquia na informação que tem como critério o que vende mais. Isso entristece-me.” E acrescenta: “Em Portugal nunca há um investimento de médio-longo prazo, só se pensa no lucro imediato, seja na televisão, seja nas florestas ou nas auto-estradas.”
Também há coisas positivas. “Hoje os portugueses viajam mais, têm mais mundo, são mais curiosos. E as pessoas envolvem-se mais, há mais movimentos civis, o que não faz o Estado, fazem elas. E Lisboa é hoje uma cidade infinitamente mais cosmopolita, mais aberta – embora sujíssima. As pessoas sabem mais e exigem mais, mas há muitas cicatrizes do passado.”
João Maria Marçal Grilo sabe que ver de fora é mais fácil e “isso não significa que nos outros países seja tudo perfeito, mas aqui há problemas sistémicos que ninguém questiona, fica-se pelo pequenino”. E volta aos media: “Hoje não há um porto seguro, um órgão em que se leia ou oiça uma notícia e se tenha a certeza de que foi assim. Não é só aqui, é muito difícil encontrar essa âncora.”
E recorda que partilhou no seu mural do Facebook um vídeo do jornalista da CNN Andersen Cooper para logo a seguir perceber o pouco impacto que isso tem, já que os seus amigos pensam da mesma maneira. No fundo “esta é a minha bolha. Criámos estas bolhas e começamos a viver nelas. A partilha só resultaria se fosse para lá da bolha. Penso que isso explica em parte este extremismo, o submundo em que vivemos”.
O facto é que “encontrar um novo caminho de verdade”, como lhe chama João Maria, é um desafio fascinante. No entanto, morre-se muito para lá chegar. Marçal Grilo não caiu, mas fez incursões até encontrar a sua estrada. Quando acabou o liceu sabia que gostava de biologia, de animais, de viagens. Acabou por fazer uma licenciatura em Geografia e Planeamento Regional. O Erasmus na Escócia foi a ponta de lança, a que se seguiu um mestrado em Estudos de Desenvolvimento (de países de terceiro mundo). Nunca mais regressou.
No final do mestrado João Maria Marçal Grilo foi trabalhar para uma empresa de estudos de mercado, onde aprendeu alemão. “Contactava gente de todo o lado, entrei num mundo completamente diferente e o mais chato possível, sabendo que não era o que queria fazer. Mas tinha responsabilidades financeiras, a começar por uma hipoteca para pagar. Até que decidi viajar pela América Latina, Equador, Peru. Pelo meio trabalhei num hotel, servia pequenos-almoços às 5 da manhã, mas juntei dinheiro suficiente para voltar a viajar, dessa vez para a Índia e o Nepal, uma experiência fantástica.”
Foi então, num hospital das Missionárias da Caridade, a congregação fundada por Santa Teresa de Calcutá, que fez voluntariado. “Escolhi esse hospital porque aceitava os voluntários que lhe iam bater à porta. De manhã ensinava inglês aos miúdos que viviam nos bairros de lata à volta do hospital e à tarde ajudava os médicos e as missionárias na enfermaria, na ala masculina. Era uma coisa que me saía natural, estar com aquelas pessoas deixadas à porta do hospital, muitas dadas como mortas”, conta João Maria.
De regresso a Londres vieram as aulas de Teatro à noite. “E achei que devia voltar a estudar. Mas já tinha 29 anos, fazer Medicina estava fora de questão, mas Enfermagem e alguma coisa na área da Psiquiatria, porque muitas das pessoas com quem trabalhei tinham problemas mentais, já fazia sentido.” A decisão não foi fácil, recorda. A professora de Teatro ajudou-o a preparar-se para as audições para entrar na Royal Scottish Academy of Music and Drama, em Glasgow, e concorreu para Enfermagem em Nightingale. A representação ficou para trás.
Finalmente o trabalho em Londres na área da saúde, primeiro num hospital, depois em centros comunitários que prestam cuidados de saúde ao domicílio. “Foram quatro ou cinco anos com uma média de 35 a 45 pacientes debaixo da minha asa. Foi intenso e difícil trabalhar naquilo que é o equivalente do Serviço Nacional de Saúde português. Muitas responsabilidades, falta de pessoal, de dinheiro e de meios. Aprendi imenso a nível clínico e percebi que queria voltar à ideia do desenvolvimento, que queria combinar todas as experiências que tinha vindo a acumular.”
O voluntariado na Ásia
É assim que João Maria Marçal Grilo decide concorrer a um posto da Voluntary Service Overseas (VSO), uma organização internacional de voluntariado em áreas que vão da saúde à engenharia, passando pela agricultura. “Entrei para um programa de saúde mental no Sri Lanka onde estive quase dois anos com mais 23 voluntários. Trabalhei especificamente com uma congénere da Associação Alzheimer Portugal, que tinha acabado de abrir um centro para pessoas com Alzheimer no Sri Lanka, onde há muito pouco pessoal médico e de enfermagem com experiência em demências, uma área que trabalhei em Londres. Fui ajudar na administração do centro e a formar leigos.”
Voltar àquela parte do mundo foi mais uma coincidência que uma escolha. Depois o azar: a VSO, em mais de 60 países, viu-se obrigada a fechar escritórios devido aos problemas financeiros. Entre outros, deixou países como a Namíbia, o Uzbequistão e o Sri Lanka. João Maria fez parte do último grupo de voluntários da VSO no Sri Lanka. Mas não desistiu, e agora é a ONG que criou que está lá a desenvolver programas de voluntariado. Ali e no Nepal.
“Actualmente temos quatro projectos. No Sri Lanka trabalhamos com o único hospital de saúde mental, que também treina pessoal médico, e com uma universidade. Fizemos um novo currículo para ensinar enfermeiros a trabalhar na comunidade e fazer aquilo que eu fazia em Londres. O primeiro curso, High Diploma in Community Mental Health, está pronto. Estamos a ter problemas porque os médicos têm receio que os enfermeiros lhes tirem o lugar, lhes roubem doentes”, confessa João Maria.
No Nepal, em Catmandu, uma parceria com a 'Koshisho', uma organização fundada por um sem abrigo com problemas mentais que conseguiu ajudar outros sem abrigo e que em alguns anos construiu duas clínicas para pessoas com problemas de saúde mental, uma para homens outra para mulheres. Tem um serviço de apoio a pessoas que vivem nos Himalaias e em aldeias à volta de Catmandu e pediu ajuda à Unity in Health para dar formação ao seu pessoal. “Temos um programa de treino para psicólogos e enfermeiros de dois anos e meio e outro de terapia ocupacional, que não existe no Nepal”, explica João Maria.
“As raparigas acabam quase sempre nos bordéis de Deli e os rapazes a trabalhar em fábricas de têxteis ou em matadouros, onde são escravizados. (...) Tem entre cinco e 17 anos.”
“Outro projecto, provavelmente a mais desafiante, é trabalhar com a 'ChoraChori', que em nepalês quer dizer rapazes-raparigas, uma ONG britânica e nepalesa que tem como missão salvar crianças nepalesas traficadas para a Índia, a maioria vendida pelos pais. As raparigas acabam quase sempre nos bordéis de Deli e do Norte da Índia e os rapazes a trabalhar em fábricas de têxteis ou na separação de carnes e ossos em matadouros, onde basicamente são escravizados - trabalham entre dez e 19 horas por dia sem poder sair, são drogados com uma cola que cheiram e lhes corta o apetite. Estas crianças, com entre cinco e 17 anos, passam por experiências horríveis e voltam traumatizadas. As miúdas são abusadas por uma média de 14 homens por dia e têm de pagar a comida que recebem – dizem-lhes que pagam para regressar ao Nepal.
Muitas ficam doentes com SIDA e outras doenças. Esta organização, que trabalha com o governo da Índia, tem um centro de reabilitação muito grande no Nepal, a sul de Catmandu. O problema é tão grande que sobra pano para mangas. A pobreza é terrível e tudo piorou com o terramoto de 2015, em que muitas crianças ficaram órfãs. Eles querem criar um centro de trauma, mas não têm pessoal especializado em saúde mental, menos ainda na área de crianças e adolescentes. E essa vai ser a nossa missão, assegurar que estas crianças recebem terapias estruturadas. Vamos estar a trabalhar com eles três anos e é para lá que vou agora.”
João Maria fala de tudo isto sem uma visão coitadinha ou condescendente do voluntariado. Neste caso em concreto será dada formação e definida uma estrutura clínica de funcionamento [clinical governance], mas o objectivo é sempre ensinar e aprender, partilhar conhecimento e não criar relações de dependência. “A ideia é ajudar a tornar as organizações mais fortes e que cada parceiro passe a ser fonte de informação para outras organizações, outros hospitais, outros serviços. Criar autonomia e replicar conhecimento. Na ajuda humanitária, sem querer, podemos ser muito colonialistas, achamo-nos superiores. Não é isso que queremos.”
A Unity in Health está no início, é uma organização pequena. “Qualquer pessoa pode vir ter connosco, visitar a nossa página, enviar-nos o seu currículo. Precisamos de pessoas com as aptidões certas para cada projecto. Não se trata de turismo de voluntariado. Estamos a criar uma base de dados e é irrelevante de onde são as pessoas, o que é importante é encaixar-se na missão. Trabalhar no Sri Lanka ou no Nepal não é como trabalhar na Europa, o desafio é grande. Damos casa e alimentação, mas é tudo muito básico. Já vi pessoas chegarem cheias de entusiasmo e irem embora uma semana depois, aconteceu na SOV. E quanto mais uma organização cresce, mais percalços”, assegura João Maria.
Porque as pessoas pensam: “Então não és bonzinho?!” Mas não, Unity in Health não se trata de se trata de beatice ou caridadezinha, trata-se da partilha de conhecimento em regime de voluntariado. De igual para igual.
Este ano a organização deu um novo passo: “Começámos a explorar a responsabilidade social corporativa e conseguimos algum dinheiro. A consultora onde trabalhei antes desta vida decidiu apoiar-nos num projecto. Isto é comum nos Estados Unidos e começa a fazer-se em Inglaterra.” O problema é que ainda ninguém tem salários. “Porque as pessoas pensam: “Então não és bonzinho?!” E não se trata de ser bonzinho. Tenho feito um sacrifício pessoal e tenho as minhas coisas enfiadas num armazém há três anos, mas não quero viver assim o resto da vida. Quero mais conforto, tenho saudades da minha casa em Londres. Mas as pessoas querem financiar projectos, querem dar dinheiro para causas, não querem estar a pagar salários. E estes programas têm custos correntes, despesas de alojamento, alimentação, manutenção”, lembra João Maria Marçal Grilo. Custos que têm de ser pagos.
“As ONG criaram esta imagem não empresarial, mas de certa maneira têm de ser geridas como um negócio, não para gerar lucro, mas porque têm de ser sustentáveis. Ninguém vive do ar e nem eu quero viver do ar. Por isso queremos contratar uma pessoa para angariar fundos. É uma área importantíssima.” Até aqui João Maria tem sido pau para todo o serviço. Talvez até nisto saia à mãe. “Nunca a ouvi queixar-se. Não sou nada de ligar a essa coisa dos genes, mas dizem que o meu avô materno, que se chamava João e já não conheci, era extremamente aberto. Era engenheiro, esteve na Primeira Guerra Mundial, nas trincheiras na Bélgica, viajou imenso. Teve um final trágico, morreu num acidente de automóvel com a minha avó e uma filha, foi muito traumático para a minha mãe, que foi sempre muito cool. E que sempre acreditou na igualdade, nos mesmos direitos para todos. E eu sempre me identifiquei com isso.”
João Maria tem dupla nacionalidade e era inevitável falar no Brexit: “Nem me diga nada, vamos estar aqui mais sete horas a conversar. Quando soube o resultado quase chorei.” Votou 'remain' [pela permanência na União Europeia]. “Para mim e para muitos foi quase uma rejeição da figura paterna. Principalmente para as pessoas que vivem em Londres, que não é representativa do Reino Unido. Talvez não tenhamos noção de alguns aspectos que definem o Reino Unido, vivemos na tal bolha, temos uma percepção muito distorcida do que vai acontecendo pelo país. Londres é muito multicultural, mas o resto do Reino Unido nem tanto. Os que votaram 'leave' [sair] não o fizeram por haver muitos estrangeiros, fizeram-no porque não são ouvidos para nada e quiseram mostrar que têm opinião e que a sua opinião conta. Mas votaram muito mal informados sobre o que é a União Europeia e sobre o que estavam de facto a votar. Foi muito frustrante, não se viu campanha de nenhum dos lados, só se ouvia falar de imigração. Senti-me profundamente triste com esta ideia de que os ingleses não me queriam ali, num país para onde fui com 19 anos e onde me sinto em casa.”
“[No Reino Unido] O espectáculo político neste último ano e meio é miserável, não há estratégia. Para as ONG é um poço de dinheiro que desaparece. Não vai acontecer nada de catastrófico, mas perdeu-se a direcção.”
E agora? “O Reino Unido vai perder muito. O discurso do racismo é triste e abominável, os ataques são terríveis e haverá muitas oportunidades perdidas com a saída da União Europeia. Conseguiu-se puxar pelo pior das pessoas e essa nunca foi e não é a ideia que tenho do Reino Unido. Londres é acolhedora e continua a haver espaço para muita gente. O espectáculo político neste último ano e meio é miserável, não há estratégia. Para as ONG é um poço de dinheiro que desaparece. Não vai acontecer nada de catastrófico, mas perdeu-se a direcção. Hoje vai a Inglaterra e na rua principal de qualquer terra, da Cornualha, no Sul, a Northumberland, no Norte, tem sempre um Lloyds Bank ou uma Sainsbury’s ou outra loja ou cadeia que aniquilou o comércio local. No entanto, os ingleses acham que foi a UE que veio dar cabo de tudo e a Europa é usada como bode expiatório de todos os males. Há quem acredite que quando acabarmos de pagar a factura do Brexit, que ainda vai levar tempo, o país vai olhar para dentro com outros olhos e perceber que a causa de muitos problemas vem de dentro e não de fora”, conclui João Maria Marçal Grilo.
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