Num ensaio para o jornal Público, que ocupa mais de cinco páginas, o ex-chefe de Estado português refere-se ao resultado das presidenciais da semana passada nos Estados Unidos, que deram a vitória ao magnata republicano Donald Trump, para advertir que é “impossível não olhar já para as eleições de 2017 em França e na Alemanha como próximas etapas prováveis desta corrida para o abismo”.
Sampaio defende que, no atual contexto europeu e internacional, “reconstruir a confiança” constitui “um desafio grande, moroso, complexo, mas incontornável”.
“Não há economia, nem mercado, nem política, nem democracia sem esse cimento de base, a confiança. Não há paz duradoura se a desconfiança minar as relações entre comunidades, povos e nações, se o pacto social for rompido”, alerta.
O ex-Presidente da República sublinha que é preciso proceder à “recapacitação” das democracias ocidentais ao nível nacional, central e local, o que passa pelo “resgate da democracia representativa na Europa”.
“Tenho a convicção de que cabe à Europa contribuir para reinventar a democracia para a nossa era da globalização, até porque a Europa não é só parte dos problemas, mas é também da solução, dando aos países mais controlo sobre políticas que se tornaram globais”, preconiza.
Antes de lançar um “apelo veemente” para que se trave aquilo que designa por “corrida para o abismo”, Jorge Sampaio identifica problemas, começando desde logo por recordar que “os fundamentos da crise continuam presentes”, como mostra o “baixo crescimento, o alto desemprego e a elevada dívida pública e privada”.
“A crise das dívidas soberanas não foi resolvida, mas basicamente está apenas suspensa devido à intervenção do Banco Central Europeu”, assinala o ex-Presidente.
Sampaio atribui a este contexto de crise o surgimento de “partidos políticos fora do ‘mainstream’, partidos de franjas e extremos”, bem como “o reforço dos partidos antieuropeus e populistas que advogam o encerramento das fronteiras, o protecionismo e o regresso dos nacionalismos”.
“A mim parece-me que a confiança está hoje abalada de forma sistémica e sistemática – e, no fundo, a questão que se coloca é se esta desconfiança está já demasiado cimentada para ser reversível e evitar o alastramento dos populismos de toda a sorte”, sublinha, apontando a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit), que classifica de “ponto de não retorno no projeto europeu”, ou a eleição de Trump como Presidente dos Estados Unidos.
Além disso, Jorge Sampaio considera que “ninguém parece acreditar que Bruxelas (ou Berlim) tenha qualquer iniciativa para responder à crise da eurozona, para alterar a ortodoxia financeira dos credores ou para criar as condições institucionais e orçamentais que tornem possíveis programas de reforma nas economias mais frágeis”.
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