O magistrado português José Guerra foi indicado pelo Governo para procurador europeu depois de ter sido selecionado em primeiro lugar pelo Conselho Superior do Ministério Público, mas após um comité europeu de peritos ter considerado como melhor candidata ao cargo Ana Carla Almeida, que entretanto interpôs um recurso junto do Tribunal de Justiça da UE.

O Governo esteve no centro de outra polémica depois de ter fornecido dados errados numa nota ao Conselho da UE apensa ao currículo de José Guerra, ainda que a estrutura já tenha corroborado a posição do executivo português de que os “lapsos” relativos à proposta de nomeação do magistrado não interferiram na decisão da sua nomeação.

Apesar das polémicas, a Procuradoria Europeia, organismo independente da União Europeia (UE) para investigação de fraude e corrupção, começa hoje a funcionar. Este novo órgão europeu foi criado para melhorar a cooperação entre os Estados-membros no combate aos crimes que prejudiquem os interesses financeiros da UE.

Em entrevista ao jornal Público, explicando a polémica, José Guerra afirma que não foi nomeado pelo Governo. "O Governo português tinha a responsabilidade de indicar ao Conselho da UE três nomes, para isso pediu aos conselhos superiores da Magistratura e do Ministério Público que selecionassem três nomes cada. Fui um dos selecionados. Depois como decorre da lei portuguesa passamos o crivo da Assembleia da República, e fui avaliado pelo painel organizado pelo Conselho que me considerou apto para a função. A escolha do procurador europeu de cada um dos países não dependia do Governo de cada país. É uma decisão que foi tomada por 22 ministros da Justiça".

Sobre a insistência no seu nome, o magistrado frisou que não faz "a menor ideia do que levou o Governo português em insistir" e que não teve conversas com ninguém do executivo.

"Apresentei-me a um concurso com um currículo que está milimetricamente correto. Foi esse currículo que serviu de base à seleção. Foi pedida uma carta de motivação que fiz. E foi o meu currículo que o Conselho apreciou. Toda a discussão é me completamente alheia", referiu, garantindo que fez "um concurso cumprindo rigorosamente as suas regras", sendo depois "o escolhido".

"Aquilo que levou o Governo português a indicar-me não é da minha conta. Nunca me foi dito porquê. O painel europeu faz uma ordem de preferência. Não é propriamente uma escolha. O papel deste painel é impedir que pessoas que não são qualificadas cheguem à final. Não sei porque fui colocado em segundo lugar. Tudo que fiz, fi-lo de acordo com as regras e está imaculadamente documentado. Ninguém me pode acusar de ter contribuído para esta situação", disse José Guerra. "Fui nomeado de acordo com as regras que o regulamento estabelece", conclui.

Questionado sobre uma eventual demissão, o procurador referiu que muito esteve em cima da mesa. "Naturalmente que ponderei o que deveria fazer na sequência das notícias vindas a público. Vivo de acordo com princípios e os princípios são para aplicar na vida pública e privada. Não achei que tivesse de me demitir por causa de factos que não me eram imputáveis e para os quais não tinha contribuído, nem directa nem indirectamente".

“Fui talvez a maior vítima desta situação porque fui a pessoa mais achincalhada e publicamente mais humilhada. Entendi que não tinha que ser eu a assumir o ónus”, acrescentou.

O procurador disse ainda que havia “uma linha vermelha” que não podia ser cruzada, que tinha que ver com “o respeito escrupuloso pela legalidade” e que, por isso, esperou que o Conselho viesse esclarecer se o processo de decisão que o levou à sua nomeação sofria de algum vício.

“Como é sabido, o Conselho já afirmou, creio que mais do que uma vez, que o processo foi totalmente regular pelo que, da minha parte, gostaria de encerrar definitivamente este assunto”, disse.

Sobre a Procuradoria Europeia, que hoje arranca oficialmente, José Guerra disse que é “o culminar de um longo processo dentro da União Europeia (UE) que começou no nos anos 90” e explicou que a necessidade de criar um organismo deste tipo “resulta das enormes perdas que a União tem todos os anos por processos fraudulentos, fraudes ao IVA, desvio de subsídios e subsídios mal aplicados”.

“Os Estados-membros entenderam que também aqui a união faz a força e que seria preferível ter um corpo de procuradores dedicados à investigação destes crimes do que ter a proteção dos interesses da união distribuída pelos diversos Estados”, referiu o procurador europeu, adiantando que se estima que União Europeia perca 500 milhões de euros ao ano devido a fraude e que as fraudes ao IVA custam 60 mil milhões de euros anualmente.

José Guerra acrescentou que a Procuradoria Europeia “tem a enorme vantagem de funcionar como um corpo que age de forma uniforme em todos os estados participantes”, mas que não há uma jurisdição única. “As decisões judiciais continuam a ser tomadas pelos juízes e tribunais dos Estados-membros”.

O magistrado explicou: “O que há é uma organização conjunta ao nível do Ministério Público. Procuradores que investigam, mas também acompanham a instrução e o julgamento, até haver uma decisão final transitada em julgado”.

Portugal tem quatro procuradores europeus delegados, dois em Lisboa e dois no Porto, com competências territoriais distintas.