Na véspera da primeira volta das eleições legislativas francesas - que, segundo as sondagens, deverão ser ganhas pela União Nacional (Rassemblement National, em francês) - várias centenas de pessoas juntaram-se hoje numa marcha silenciosa em homenagem a Nahel Merzouk que, com 17 anos e de origem argelina, foi morto baleado pela polícia durante uma operação ‘stop’ em Nanterre, em 27 de junho de 2023.

Numa altura em que os jovens dos bairros populares são vistos como cruciais para a Nova Frente Popular - coligação de esquerda que junta socialistas, ecologistas, comunistas e a França Insubmissa - ter um bom resultado eleitoral e impedir o crescimento da extrema-direita, o apelo a que não se esqueçam de ir às urnas este domingo esteve presente nesta marcha, de maneira subtil por ser dia de reflexão em França.

“O futuro pertence-vos, está nas vossas mãos. Têm de se acordar: sabem perfeitamente o que vai acontecer amanhã. Portanto, acordem: temos de evitar mais mortes”, disse a mãe de Nahel ao microfone, no final da marcha.

Todos os jovens com quem a Lusa falou indicaram que vão votar nas legislativas, recusando a ideia de que estejam alheados da vida política ou que não tenham consciência do perigo que a extrema-direita representa, apesar de admitirem conhecer quem esteja a pensar em ficar em casa.

“Eu não faço parte daqueles que acham que não vale a pena ir votar porque, de qualquer maneira, a União Nacional vai ganhar. Para nós, a União Nacional é um perigo mortal, é uma questão de sobrevivência”, disse à Lusa Bouma, que considera que o discurso segundo o qual as pessoas dos subúrbios não são ativos politicamente é “propaganda” e apela a votar na esquerda.

“Muitos decidiram deixar de olhar para a política porque houve uma campanha de repressão, mas, ainda assim, sabemos que os bairros populares são muito ativos politicamente: há uma tentativa de invisibilização, mas basta olhar para as taxas de participação nas europeias”, referiu.

Nessas eleições, 48,49% dos eleitores em Nanterre foram às urnas - ligeiramente abaixo da taxa de participação nacional, que foi de 51,49% -, dando a vitória à França Insubmissa, com 36,96% dos votos.

À Lusa, Sirinne diz que o problema não é “que os jovens dos bairros populares não querem ir votar, é que simplesmente ninguém lhes dá vontade de ir votar”, afirmando que percebe quem se recusa a ir às urnas.

“A maioria dos meus amigos não se sente representada e o François Hollande [último Presidente da República socialista, entre 2012 e 2017] tem uma grande responsabilidade nisso. Se quiserem que os jovens vão votar, deem-lhes vontade e, para isso, é preciso mudar todo o sistema”, diz.

Myriam é uma das jovens com quem a Lusa falou que, apesar de afirmar que vai votar este domingo, diz compreender perfeitamente quem optar por ficar em casa, porque ela própria não acredita nos políticos.

“Há imensos anos que os jovens votam e não muda nada, muitas vezes o que muda é só para pior. Compreendo perfeitamente as pessoas que já não acreditam, que se sentem desamparadas e que, muito simplesmente, não se sentem representadas”, disse.

Como forma de contrariar este sentimento, Noredine, um militante da França Insubmissa em Nanterre, pegou num megafone durante a marcha para insistir que é preciso que os jovens vão votar este domingo, apesar de salientar à Lusa que está convencido de que a maioria vai fazê-lo.

“Andámos a sensibilizá-los já há várias semanas e responderam bem durante as eleições europeias e vão responder bem amanhã [domingo]. O discurso de que se estão nas tintas é mentira: a verdade é que só não querem é que eles se interessem”, disse.

Mahmoud, de 16 anos, diz à Lusa que, se tivesse idade para ir votar, amanhã iria depositar o boletim de voto na Nova Frente Popular e apela a que todos façam o mesmo.

“Só se as pessoas forem votar é que as coisas têm alguma possibilidade de mudar”, diz o jovem, com quase a mesma idade que Nahel, morto há um ano nestas mesmas ruas.

por Tiago Almeida, da agência Lusa