“O Brasil está dando passos sérios e firmes no enfrentamento da corrupção sistémica e não há nenhuma vergonha neste tipo de ação”, declarou Sérgio Moro durante a sua intervenção nas Conferências do Estoril, que decorrem até quarta-feira.
O juiz federal brasileiro, que está a julgar os casos da Lava Jato na primeira instância, referiu que “de facto, considerando os casos que já foram julgados, estando ainda outros pendentes, a corrupção descoberta no Brasil é vergonhosa”.
“Nos casos enfrentados no Brasil, as pessoas olham atentamente e se espantam com os níveis de corrupção nesta investigação chamada operação Lava Jato”, indicou, sublinhando que as mesmas pessoas devem ter outra perspetiva desta situação, percebendo os avanços já realizados no combate à corrupção no país.
A operação Lava Jato investiga no Brasil um grande esquema de corrupção que envolve vários setores, como o da política e empresarial, e empresas como a Petrobras.
Segundo Sérgio Moro, todo esse processo envolve o país: “Não é uma ação somente de juízes e de procuradores, é o anseio da sociedade brasileira para que tenhamos um país mais limpo”.
“Acredito que, apesar de todas estas turbulências, ao final do processo nós teremos um país melhor, uma economia mais forte com uma democracia de melhor qualidade, no qual a corrupção sistémica passe a ser apenas uma triste memória do passado”, garantiu.
“Isso não é algo ainda garantido, esse é um trabalho em andamento, mas é possível ter esperança e não digo somente no Brasil, mas quem sabe em toda a região, que é costumeiramente identificada como tendo problemas graves com a corrupção”, sublinhou.
Segundo o juiz brasileiro, a corrupção pode adquirir um aspeto mais grave e quando se torna habitual, quando se torna uma regra de comportamento, é denominada “corrupção sistémica”.
Sérgio Moro disse que a corrupção sistémica afeta a economia de qualquer país, porque acaba afugentando os investidores externos e internos.
“Mas, não só isso, muitas vezes este sistema de corrupção impede que agentes envolvidos na economia de um determinado país tomem as melhores decisões do ponto de vista económico para aquele país”, afirmou.
Para Moro, a corrupção sistémica é prejudicial especialmente no aspeto da democracia.
“A democracia é fundada na confiança entre governantes e governados. Mas, em contexto de corrupção sistémica, esta confiança é extremamente abalada”, garantiu.
Para o juiz brasileiro, “é urgente, prioritário enfrentar a corrupção em todas as suas formas, mas especialmente esta dita corrupção sistémica”, com o envolvimento do judiciário, da sociedade civil, do setor privado e dos políticos não envolvidos na corrupção.
“Isso tudo é necessário para combater a corrupção sistémica, para que passe a ser apenas um comportamento desviante e não uma regra de comportamento”, referiu.
“Um enfrentamento judicial, observando evidentemente com o devido processo, mas tendo presente que a corrupção sistémica é tão grave como o crime organizado e aquelas ferramentas que muitas vezes são utilizadas para enfrentar o crime organizado também se fazem necessárias para o enfrentamento da corrupção sistémica”, disse
Moro estava a referir-se, nomeadamente, ao mecanismo de delação premiada (que dá vantagens ao denunciante, como a redução de pena de prisão, ao delatar os crimes de corrupção), tendo defendido esta ferramenta, assegurando que não é a única utilizada e precisa de corroboração de provas.
O juiz português Carlos Alexandre disse, na mesma conferência, que a delação premiada não é uma novidade, pois já está prevista em várias legislações, assim o Brasil não inovou, e tal mecanismo pode dar ou não resultados positivos.
Carlos Alexandre disse ainda que “não há judicialização alguma da vida portuguesa”.
Tanto o juiz espanhol Baltazar Garzón, como o ex-magistrado e político italiano Antonio Di Pietro, mostraram-se favoráveis à utilização da delação premiada em processos de corrupção.
"Não é utilizada (a delação premiada) como uma forma de prémio. A corrupção é como o matrimónio, um dá e outro recebe. Casamento é um ato de amor, a corrupção ato de interesse. Para poder combater a corrupção é preciso romper esse pacto de interesse", sublinhou di Pietro.
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