No corpo de Rúben Oliveira, mais conhecido por Xuxas, estão tatuados dois dos maiores narcotraficantes de sempre: Escobar e El Chapo, e em Portugal a sua atividade - com a devida escala - poderá mesmo ser comparada à destes barões da droga. Considerado o maior traficante português de sempre, Xuxas está em prisão preventiva na cadeia de alta segurança de Monsanto desde final de junho de 2022.

O Ministério Público acredita que a organização de "Xuxas" tinha ramificações em diferentes estruturas logísticas em Portugal, nomeadamente junto dos portos marítimos de Setúbal e Leixões, aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, entre outras, permitindo assim utilizar a sua influência para importar grandes quantidades de cocaína fora da fiscalização das autoridades portuárias e nacionais. Naqueles locais, a PJ realizou apreensões de cocaína que envolvem arguidos que supostamente obedeciam a ordens de Rúben Oliveira.

A cocaína era introduzida em Portugal através de empresas importadoras de frutas e de outros bens alimentares e não alimentares, fazendo uso de contentores marítimos. A droga entrava também em território nacional em malas de viagem por via aérea desde o Brasil até Portugal.

Refere igualmente a acusação que os arguidos recorriam a "sistemas encriptados tipicamente usados pelas maiores organizações criminosas mundiais ligadas ao tráfico de estupefacientes e ao crime violento" (como Encrochat e Sky ECC, por exemplo) para efetuarem comunicações entre si.

O julgamento do narcotraficante português começa hoje, dia 2 de abril, Xuxas estaria associado a grandes cartéis da Colômbia e ao major Carvalho, o “Escobar brasileiro”. Deste último seria mesmo o maior parceiro europeu. Em causa estão crimes de tráfico de estupefacientes, de associação criminosa para o tráfico, de detenção de arma proibida e de branqueamento de capitais.

O processo foi sujeito a instrução – fase processual facultativa para decidir se os arguidos vão ou não a julgamento e em que moldes -, tendo a decisão instrutória de 29 de setembro de 2023 do juiz Carlos Alexandre definido que 19 (16 pessoas e três empresas) dos 21 arguidos vão mesmo responder em julgamento nos exatos termos da acusação do Ministério Público (MP).

Este foi o último processo de Carlos Alexandre como juiz de instrução criminal antes de ingressar no Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) como juiz desembargador, após ter sido juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) durante quase duas décadas, durante as quais dirigiu alguns dos casos mais mediaticos da justiça portuguesa.

A defesa chamou para o processo, com 21 arguidos (18 pessoas e três empresas), sete dos quais em prisão preventiva, incluindo “Xuxas”, e um outro em prisão domiciliária, 137 testemunhas, noticiou o Expresso, que acrescenta que esta possa ser uma manobra dilatória de forma a que o principal arguido seja solto, por se esgotar o prazo máximo das medidas de privação de liberdade.  Neste momento há 24 audiências agendadas desde 2 de abril até 12 de julho, contudo com o número avultado de testemunhas é possível que mais sejam mais sejam marcadas.

Caminho tortuoso até ao julgamento. Ficará por aqui?

A defesa de Ruben Oliveira chegou a pedir o afastamento do Juiz Carlos Alexandre da fase de instrução do processo, devido à alegada prática de crimes pelo magistrado. Já totalmente negados por parte do Tribunal.

O requerimento de incidente de recusa, enviado para o Tribunal da Relação de Lisboa, teve por base uma queixa-crime apresentada por um outro advogado, alegando que o magistrado cometeu vários crimes durante a fase de inquérito, nomeadamente falsificação de documento, falsidade de declaração, denuncia caluniosa, falsidade de testemunho, denegação de justiça e prevaricação.

No incidente de recusa, a defesa do alegado líder desta rede criminosa diz que “tomou conhecimento” de que foi “efetuada participação criminal contra” o juiz Carlos Alexandre “por, alegadamente, enquanto exerceu funções de juiz de instrução [na fase de inquérito], no âmbito dos presentes autos, ter praticado atos que consubstanciam a prática de crimes”.

Na queixa-crime são imputados ao magistrado “e a outros elementos que tiveram intervenção” na fase de inquérito diversos crimes: falsificação de documento, falsidade de declaração, denuncia caluniosa, falsidade de testemunho, denegação de justiça e prevaricação.

O incidente de recusa sustenta que o juiz Carlos Alexandre “não poderia fazer constar dos autos que ouviu as intervenções telefónicas, quando o mesmo bem sabe que isso era falso”, acrescentando que o fez “com o único propósito de ser mantida uma investigação contra o arguido Ruben Oliveira”.

O requerimento, com 19 páginas, diz também que “durante mais de dois anos de investigação” o juiz “não indeferiu, nem colocou em causa, uma única promoção do Ministério Público (MP)”, acusando Carlos Alexandre de não cumprir os seus deveres enquanto JIC.

A respeito deste tema a defesa fez ainda duas queixas ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem “por não lhe estar assegurado um julgamento justo e imparcial” e porque considerou que “não lhe foi garantido um juiz de instrução imparcial, tendo sido violados os artigos 6º e 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, diz o Expresso acrescentando que ainda não há nenhuma resposta.

Segundo a mesma notícia, a equipa de defesa do narcotraficante pretende ainda apelar ao Tribunal de Justiça da União Europeia. Por acreditar que a forma como as autoridades francesas, holandesas e belgas, acederam aos servidores das empresas Encrochat e Sky ECC violaram “de forma flagrante o Direito da União Europeia, nomeadamente diversas diretivas e bem assim a Carta da União Europeia”.

Como foi a operação internacional que deteve Xuxas?

Ficará para a história de um dos maiores casos de tráfico internacional em Portugal e de uma das maiores investigações que, tudo indica, terá começado a 3 de abril de 2019, com um email da DEA para a Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de estupefacientes. A partir daí foi montada uma megaoperação com o nome Exotic Fruit. O nome teve origem nas 3,5 milhões de doses de cocaína apreendidas pela Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes, que chegavam a Portugal dissimuladas em caixas com sete toneladas de fruta tropical, nomeadamente papaias.

Foram assim reunidas as provas necessárias para se apurar que a droga chegava pelas mãos do major Sérgio Carvalho, ex-oficial da Polícia Militar brasileira, que foi detido pouco tempo de pois na Hungria depois de ter fugido, escondido por trás de falsas identidades e, inclusive, ter simulado a própria morte. Já Ruben Oliveira foi detido a 25 de outubro de 2022, estava fugido desde fevereiro e geria a operação à distância, mas uma visita à família nos Olivais (em Lisboa) traiu-o e foi capturado pela PJ, numa operação conjunta com a polícia federal brasileira.

*Com Lusa