Ao anunciar a decisão da repetição do ato eleitoral nas assembleias em que os votos foram invalidados, João Caupers justificou que aqueles mais de 157 mil votos do círculo da Europa são suscetíveis de "influir no resultado".
A decisão de invalidar os votos, "ainda que por razões compreensíveis, invalidou todos os votos nas assembleias de voto do círculo eleitoral da Europa em que se deu a confusão entre votos válidos e inválidos, ou seja, invalidou votos que deveriam ter sido contabilizados no apuramento", afirmou o presidente do TC na leitura pública da decisão, nas instalações do TC, em Lisboa.
"Sendo impossível o apuramento efetivo de todos e somente dos votos que devem ser considerados válidos, entendeu o Tribunal Constitucional que resta proceder à repetição dos atos eleitorais em tais assembleias de voto, segundo o previsto no n.º2 do artigo 119.º da lei eleitoral para a Assembleia da República", referiu o juíz conselheiro.
Este artigo prevê que, "declarada a nulidade da eleição de uma assembleia de voto ou de todo o círculo, os atos eleitorais correspondentes são repetidos no segundo domingo, posterior à decisão", ou seja, no dia 27 de fevereiro.
Segundo o presidente, o TC considerou que aqueles votos que foram enviados pelos emigrantes sem a fotocópia do documento de identificação "devem ser considerados nulos" e fala em "procedimentos anómalos nas operações de contagem dos votos em cerca de 150 secções de voto", uma vez que esses votos foram inseridos em urna, o que impossibilitou a determinação dos "votos efetivamente válidos e a sua distribuição pelos partidos que concorreram às eleições" e levou à sua invalidação.
A decisão, tomada por unanimidade, já foi comunicada ao Presidente da República, ao presidente da Assembleia da República e ao primeiro-ministro, disse João Caupers, bem como à Comissão Nacional de Eleições.
O relator do acórdão, juiz conselheiro Gonçalo Almeida Ribeiro, anunciou em seguida aos jornalistas que o TC decidiu “revogar a deliberação da assembleia de apuramento geral do círculo da Europa, na parte em que declara a nulidade de todos os votos nas assembleias de voto do círculo eleitoral da Europa em que se deu a confusão em urna entre votos cujos boletins foram remetidos à administração eleitoral devidamente acompanhados de fotocópia de documento de identificação do respetivo eleitor e votos em relação aos quais tal não se verificou”.
Os juízes do Palácio Ratton declararam então “a nulidade da eleição” nestas assembleias de voto e determinaram a “repetição dos atos eleitorais nas assembleias de voto correspondentes”.
Mais de 80% dos votos dos emigrantes do círculo da Europa nas legislativas de 30 de janeiro foram considerados nulos, decisão tomada no apuramento geral dos resultados, na sequência de protestos apresentados pelo PSD após a maioria das mesas ter validado votos que não vinham acompanhados de cópia da identificação do eleitor, como exige a lei.
De acordo com o TC, estão em causa 151 mesas de voto do círculo eleitoral da Europa.
Como esses votos foram misturados com os votos válidos, a mesa da assembleia de apuramento geral acabou por anular os resultados em várias mesas, incluindo votos válidos e inválidos, por ser impossível distingui-los uma vez na urna.
“Acordo informal” entre partidos sobre votos é “grosseiramente ilegal”
O Tribunal Constitucional advertiu que qualquer “acordo informal” entre os partidos políticos no sentido de aceitar os boletins de voto que não sejam acompanhados por fotocópia do documento de identificação do eleitor é “grosseiramente ilegal”.
No acórdão, que deliberou sobre um recurso apresentado pelo partido Volt Portugal, o TC refere-se à reunião ocorrida no dia 18 de janeiro entre os delegados das listas de candidatura para a escolha dos membros das mesas das assembleias de recolha e contagem de votos dos eleitores residentes no estrangeiro.
Nessa reunião, os partidos acordaram aceitar “como válidos todos os boletins cujos envelopes permitam a identificação clara do eleitor e descarga nos cadernos eleitores desmaterializados, mesmo que o envelope não contenha cópia do cartão de cidadão ou bilhete de identidade”, alegando que essa cópia “serve, afinal e apenas, como reforço das garantias do exercício pessoal do voto”.
No acórdão que deliberou declarar a nulidade das eleições na maioria das mesas do círculo da Europa, que terão de ser repetidas, os juízes do Palácio Ratton avisam que a Lei eleitoral da Assembleia da República “não atribui aos partidos políticos concorrentes à eleição, designadamente por via dos seus mandatários ou delegados, a faculdade de deliberar sobre os requisitos de validade dos votos”.
E apontam que “toda essa matéria – como não podia deixar de ser – está sob reserva de lei, devendo as decisões concretas sobre a validade de votos ser tomadas pelos órgãos eleitorais competentes, segundo o procedimento expressamente regulado e mediante a aplicação dos critérios legais”.
“Assim, qualquer «deliberação» − ou, melhor dizendo, acordo informal − que tenha sido tomada pelos partidos políticos no sentido de se dispensar a junção da fotocópia do documento de identificação ao boletim de voto é grosseiramente ilegal – ultra vires –, não produzindo os efeitos jurídicos conformes ao respetivo conteúdo”, advertem.
No acórdão hoje divulgado, os juízes conselheiros consideram que “seria manifestamente ilegal” considerar válidos todos os votos, mesmo aqueles que não chegaram acompanhados de fotocópia do documento de identificação do eleitor, argumentando que a lei “não deixa margem para dúvidas” e que um voto postal que não cumpra os requisitos previstos “é irremediavelmente inválido”.
O TC refuta também o argumento de que reproduzir um documento de identificação pessoal possa constituir uma forma de “coação do eleitor”, argumentando que o exercício do direito de voto “constitui um dos casos expressamente previstos na lei” para que isso possa acontecer.
Apontando que “foram considerados validamente expressos 36.191” votos e nulos 157.205, o TC defende que “quando o número total de votos anulados sobreleva o número total de votos considerados validamente expressos em cerca do quádruplo, é mais do que plausível conceber cenários em que o número de votos válidos, mas que acabaram anulados e desconsiderados em razão da sua confusão com votos inválidos, pudesse constituir uma grande parte dos votos considerados validamente expressos”.
E alerta que “não é possível concluir que a decisão de declaração de nulidade foi neutra do ponto de vista da distribuição de mandatos, uma vez que está longe de ser certo ou necessário que o padrão de distribuição dos mesmos fosse substancialmente idêntico ao que se veio a verificar no apuramento geral”.
O TC apreciou o recurso contencioso interposto pelo Volt Portugal mas outros partidos, entre os quais Chega, PAN e Livre também anunciaram na semana passada que iriam recorrer junto do TC, pretendendo que os votos fossem validados.
Vários partidos recorreram na semana passada junto do Tribunal Constitucional da decisão de se invalidar mais de 157 mil votos de emigrantes, tomada no apuramento geral dos resultados, na sequência de protestos apresentados pelo PSD.
Mais de 80% dos votos dos emigrantes do círculo da Europa nas legislativas de 30 de janeiro foram considerados nulos, após protestos do PSD, mas a distribuição de mandatos mantém-se, com PS e PSD a conquistarem dois deputados cada nos círculos da emigração.
Atribuídos os mandatos da emigração, o PS conseguiu 119 dos 230 lugares na Assembleia da República, enquanto o PSD elegeu 73 deputados sozinho, subindo para 78 com os eleitos em coligação na Madeira e nos Açores.
Na sexta-feira passada, em Brest (França), o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou que os recursos para o Tribunal Constitucional não atrasariam a posse do novo Governo, prevista para 23 deste mês.
"Não, não, não. Está definido, e neste momento já está publicado o que deve ser publicado, ou em vias de ser publicado. Portanto, significa que os prazos de que se falou são os prazos que vão ser cumpridos, e eu tenciono manter a posse no dia 23, portanto, daqui por uma dezena de dias", declarou.
Há cerca de duas semanas, tinha sido indicado às bancadas parlamentares que a XV legislatura poderia arrancar em 22 de fevereiro, na próxima terça-feira, embora essa data estivesse sempre dependente da publicação do mapa oficial dos resultados das legislativas antecipadas de 30 de janeiro.
(Artigo atualizado às 21:31)
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