Depois de, na passada quinta-feira, a maior bancada do Parlamento Europeu, a do Partido Popular Europeu (PPE), ter exortado a presidente da Comissão Europeia a intervir no caso da nomeação do magistrado português José Guerra para a Procuradoria Europeia, agora foi a vez de o terceiro maior grupo do hemiciclo, o Renovar a Europa (antiga Aliança dos Liberais) escrever ao presidente do Conselho Europeu e ao primeiro-ministro, António Costa - enquanto presidente em exercício do Conselho da UE -, face ao que classificam como “notícias alarmantes”.

Na carta dirigida a Charles Michel e António Costa, com a data de 10 de janeiro, e hoje divulgada pelo Renovar a Europa, o líder da bancada, Dacian Ciolos, e a eurodeputada Sophie in’t Veld, coordenadora na comissão parlamentar de Liberdades Civis do PE, começam por salientar que não questionam as qualificações do magistrado José Guerra, mas dizem-se “muito preocupados com o processo de nomeação”, que, sustentam, pode ter-se baseado em informações falsas e motivações políticas.

“No caso dos candidatos da Bélgica, Bulgária e Portugal, o Conselho Europeu não seguiu a recomendação de um painel de seleção independente, designando antes candidatos classificados mais abaixo na lista. No caso do nomeado português, a decisão foi tomada após o Governo português ter enviado informação adicional. Contudo, a informação adicional providenciada revelou-se falsa”, apontam os liberais na missiva.

De acordo com o Renovar a Europa, o Conselho terá então decidido escolher um candidato que não aquele recomendado pelo painel de seleção independente “possivelmente com base em informações falsas e por razões políticas” e, ao fazê-lo, poderá ter potencialmente prejudicado o funcionamento da Procuradoria Europeia.

Admitindo que “o Conselho está no seu direito de não seguir o parecer do painel de seleção independente”, os Liberais sustentam que, a confirmar-se as notícias divulgadas por vários órgãos de comunicação social, “tal é inaceitável neste caso e estabelece um precedente alarmante”.

“Em nome do Grupo Renovar a Europa, pedimos que clarifiquem publicamente se houve ou não interferência política nesta nomeação e, além disso, se toda a restante informação fornecida sobre este candidato foi verificada como sendo correta”, lê-se na carta.

Considerando que “é vital que sejam dadas imediatamente clarificações sobre esta nomeação”, o líder do Renovar a Europa adverte então que, se tal não suceder, o grupo “vai pedir um debate sobre esta matéria durante a próxima sessão plenária do Parlamento Europeu”, agendada para a próxima semana, e “não descarta solicitar também um inquérito independente”.

A ministra da Justiça, Francisca van Dunem, tem estado no centro de uma polémica depois da divulgação de uma carta enviada para a União Europeia, em novembro de 2019, na qual o Governo apresentou dados errados sobre o magistrado José Guerra, o procurador que elegeu para a nova Procuradoria Europeia, após seleção do Conselho Superior do Ministério Público, mas depois de um comité europeu de peritos ter considerado Ana Carla Almeida a melhor candidata para o cargo.

Os erros no currículo já deram origem à saída do diretor-geral da Política da Justiça, Miguel Romão, que após ter apresentado a demissão afirmou que a informação com lapsos sobre José Guerra foi "preparada na sequência de instruções recebidas" e o seu teor era do conhecimento do gabinete da ministra da Justiça.

Na quinta-feira, dirigindo-se à Assembleia da República, a ministra da Justiça considerou que tem condições para continuar no cargo, apesar dos erros contidos na carta do Governo a fundamentar a escolha de José Guerra para procurador europeu, e que tiveram repercussões internacionais.

“Entendo que tenho condições para continuar, pese embora admita que houve erros que foram cometidos e tiveram repercussões internacionais”, afirmou Francisca van Dunem, tendo admitido aos deputados que não reviu a fundamentação contida na carta, presumindo que correspondia às informações que tinha dado à Direção-geral de Política de Justiça.

Na nota do Governo a fundamentar a escolha de José Guerra para o lugar de procurador europeu nacional, este magistrado é identificado como sendo "procurador-geral-adjunto", categoria que não tem, sendo apenas procurador da República e como tendo participado "na liderança investigatória e acusatória" no processo UGT, o que também não é verdade, porque foi o magistrado escolhido pelo MP para fazer o julgamento e não a acusação.

Também na quinta-feira, o grupo do Partido Popular Europeu (PPE) no Parlamento Europeu exortou a presidente da Comissão Europeia a intervir no caso da nomeação do magistrado português para a Procuradoria Europeia, considerando que as irregularidades são “particularmente preocupantes” quando Portugal preside ao Conselho da UE e caberá a van Dunem presidir aos Conselhos de ministros da Justiça dos 27.