“As afirmações do arguido integram o exercício do seu direito de liberdade de expressão e não excedem a crítica legítima (ainda que infundada ou injusta) ao trabalho desenvolvido pelos referidos magistrados”, lê-se no acórdão.

Segundo o documento, ao arguido, de 65 anos, estavam imputados 20 crimes de difamação, com publicidade e calúnia, na forma agravada, a dois juízes e dois procuradores da República, que exerciam funções, respetivamente, nos juízos e no Departamento de Investigação e Ação Penal, em Pombal, na Comarca de Leiria.

Os dois magistrados judiciais foram titulares de processos nos quais o arguido foi sujeito processual, tendo proferido decisões condenatórias daquele.

Também os magistrados do Ministério Público foram titulares de processos nos quais o arguido foi sujeito processual, “deduzindo ou acompanhando acusações do mesmo”.

Todos os magistrados atuaram em “estrita obediência às regras que decorrem da Constituição e da lei”, sustentou o acórdão.

De acordo com o tribunal, resultou provado que o arguido escreveu, em 2022, no livro de reclamações do Tribunal de Pombal e dirigiu dois requerimentos a processos criminais desse tribunal, referindo-se aos magistrados.

Numa das reclamações, o arguido, com antecedentes criminais pelos crimes de injúria, denúncia caluniosa ou difamação, denuncia irregularidades naquele tribunal, “nomeadamente a elaboração e aceitação de documentação (forjada)”, alegando ter “vindo a ser injustamente condenado”.

Já num requerimento, o arguido escreveu, entre outras coisas, que os magistrados “sempre souberam destas irregularidades, nada fizeram”, acrescentando: “Têm-nos ainda condenado em julgamentos injustos e pouco transparentes”.

“Entende-se que a conduta do arguido não integra a prática pelo mesmo dos crimes de difamação agravada de que se encontra acusado”, referiu o tribunal coletivo, entendendo que manifestou “o seu descontentamento e a sua indignação com as decisões proferidas, referindo-se tão só ao trabalho desenvolvido” pelos magistrados e “não às pessoas dos mesmos”.

Assinalando que o arguido “não faz qualquer consideração pessoal” sobre os quatro magistrados, “limitando-se a criticar genericamente o trabalho dos mesmos, em seu prejuízo”, o tribunal considerou que “os juízos de valor feitos pelo arguido não denotam um propósito doloso de atingir a honra e consideração dos visados”.

Por outro lado, o tribunal considerou que o arguido, “no âmbito da liberdade de expressão de que goza (…), tem o direito de manifestar a sua opinião”.

“(…) Defender o contrário, em nosso entender, é suscetível de colocar em causa o direito de defesa, o direito à indignação e à liberdade de expressão do próprio arguido”, acrescentou.

Na leitura do acórdão, a juíza-presidente explicou que o tribunal, seguindo jurisprudência, entendeu que os “factos caem no âmbito da liberdade de expressão” e, dirigindo-se ao arguido, declarou: “Eu só posso aconselhar para parar de escrever coisas sobre quem for”.

“Este coletivo considerou que aquilo não constituiu crime de difamação, outro tribunal pode considerar outra coisa”, afirmou a magistrada judicial, lembrando que, “com o seu certificado de registo criminal, já não é pena de multa”.