Em declarações à agência Lusa, momentos depois do discurso do Presidente português na Assembleia Nacional angolana, José Severino salientou ser importante que os “afetos” manifestados na visita de Estado que Marcelo Rebelo de Sousa está a realizar ao país se transforme em “capital, investimento e cooperação”.

“O que gostaríamos de ver é que os muitos afetos se tornassem em capital, em investimento e em cooperação, porque Portugal tem tido um ciclo de crescimento e Angola tem tido, infelizmente, um ciclo no sentido inverso, de estagnação, podemos até dizer de alguma recessão. Por isso, pensamos que juntando esses dois vasos poderia existir um equilíbrio”, afirmou o líder dos industriais.

José Severino salientou que não quer que Portugal veja o crescimento a decrescer – “bem pelo contrário” -, sublinhando que Angola necessita da colaboração portuguesa.

“As palavras do Presidente português aqui dão-nos a esperança de que os políticos possam ter sapiência para que haja elementos que se conjuguem no interesse das duas economias. Angola é um desafio. Não vejo ainda nas lideranças portuguesas essa faculdade de ver as oportunidades que Angola oferece. Fala-se muito pela rama, muito por culpa nossa, provavelmente, por não sabermos transmitir [a ideia]”, frisou.

José Severino afirmou-se “um bocado preocupado” por se porem as questões financeiras “à frente de tudo”.

“Preocupa-me um bocado essa visão. Acho que Portugal tem de adotar outra estratégia aqui. O que é devido é devido, mas também tem de sentir que Angola tem muitas dificuldades financeiras nas áreas da Saúde e da Educação e é preciso um bocado de sensibilidade para não pôr aquilo que é o nosso à frente de tudo”, referiu.

Questionado sobre qual a estratégia que preconiza, José Severino indicou ser necessário “equilíbrio” nas relações económicas e a negociação da dívida a prazo.

“Portugal devia dar o exemplo para os outros países que também põem a questão da dívida à frente de tudo. Tem suportado o peso da dívida, mas acho que deveria abrir uma negociação de pagamento a médio prazo”, defendeu.

Para o presidente da AIA, o facto de o peso da dívida ser alto ou baixo “não interessa”, uma vez que as divisas “fazem muita falta” ao país.

“Se se ouvir os empresários portugueses que estão cá [em Angola], todos dizem que estão parados porque não têm divisas. A Saúde está curta de divisas, a Educação está curta de divisas, o país está curto de divisas por causa da dívida. Temos de notar, não se esqueçam, que a dívida que era reclamada por industriais portugueses foi certificada por baixo. Haja moral, haja ética”, avisou.

Para José Severino, as associações portuguesas “são fortes”, pelo que poderiam, com a ajuda das angolanas, “sensibilizar os empresários e a governação económica portuguesa para o facto de que Angola “precisa de respirar”.

“Angola precisa de respirar para poder ter o pagamento de dívida com algum conforto. Não estamos de acordo com o peso da dívida e isso está a sacrificar a economia”, argumentou o industrial angolano, lembrando o caso das dívidas às companhias aéreas.

Segundo José Severino, o pagamento das dívidas às companhias aéreas serviu unicamente para “se ficar bem na fotografia”.

“Atrasar e negociar não fica mal. Tem é de haver a disponibilidade do credor, que é quem tem de ditar a grande regra e não o devedor. É preciso muita compreensão. Há oportunidades para Angola aqui na SADC [Comunidade de Desenvolvimento da África Austral], é um mercado de 200 milhões de consumidores, com o mesmo nível de qualidade de vida, com as mesmas apetências, as mesmas facilidades e Portugal pode ter aqui uma âncora para crescer acima dos 2%, agora que Portugal está a descer”, disse.

“É uma oportunidade soberana em vir para Angola para crescer mais rápido. Portugal tem ‘know-how’, tem tecnologia, tem capital e pode ajudar Angola a sair desta situação económica de crise em que está”, concluiu.