“Há dois pesos e duas medidas”, disse à Lusa Ana Gomes, considerando “completamente obsoleta a posição daqueles que no sistema judiciário [português] não querem querer conhecer a luta, que é serviço público, por parte de um denunciante que expõe criminalidade organizado”.
Rui Pinto, criador do Football Leaks, uma plataforma onde foram publicados vária documentação secreta relativa a transferências e contratos de jogadores, vai responder em julgamento por 90 crimes de acesso ilegítimo, acesso indevido, violação de correspondência, sabotagem informática e tentativa de extorsão.
O ‘hacker’ português está a ser julgado por Portugal por acesso ilegal a documentos, mas a justiça portuguesa já aceitou colaborar com a sua homóloga angolana, que utiliza documentação recolhida por Rui Pinto para acusar a empresária Isabel dos Santos de má gestão de dinheiros públicos.
Essa posição da justiça portuguesa, ao contrário de outros países europeus que aceitaram a documentação de Rui Pinto, “servem à criminalidade que capturou o sistema” judicial, disse a ex-eurodeputada.
“Tudo está capturado por interesses. Tudo o que tem poder para dar combate à criminalidade e corrupção no sistema político, económico e social é vulnerável e está infiltrado e é isso que explica muitas outras incoerências a que temos assistido nos últimos anos em Portugal”, acusou Ana Gomes.
Hoje, os advogados de Rui Pinto assumiram, numa nota de imprensa, que o seu cliente é a fonte dos documentos que deram origem ao Luanda Leaks, uma investigação jornalística internacional, que visou o enriquecimento de Isabel dos Santos, filha do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos, e que motivou a ação da justiça de Angola contra a empresária, acusada de má gestão e desvios de dinheiro quanto era administradora da petrolífera estatal Sonangol.
"Os advogados abaixo assinados declaram que o seu cliente, o Sr. Rui Pinto assume a responsabilidade de ter entregue, no final de 2018, à Plataforma de Proteção de Denunciantes na África (PPLAAF), um disco rígido contendo todos os dados relacionados com as recentes revelações sobre a fortuna de Isabel dos Santos, sua família e todos os indivíduos que podem estar envolvidos nas operações fraudulentas cometidas à custa do Estado angolano e, eventualmente, de outros países estrangeiros”, refere uma nota de William Bourdon e Francisco Teixeira da Mota.
Na quarta-feira, o Procurador-Geral da República (PGR) de Angola anunciou que Isabel dos Santos foi constituída arguida e, no dia seguinte, reuniu-se com a sua homóloga portuguesa a quem pediu apoio na investigação judicial sobre a empresária.
“Bem-vindos à era digital: serve para o mal, mas também serve para combater o mal e sem dúvida que está mais do que demonstrado aquilo que vinha há muito tempo dizendo é que Rui Pinto prestou um extraordinário serviço à luta contra a criminalidade organizada e contra a corrupção em Portugal, para além de Portugal”, comentou ainda Ana Gomes.
Rui Pinto “é um denunciante e tem de ter um estatuto de denunciante para as autoridades portuguesas”, acrescentou, considerando que o ‘hacker’ “tem de ser aproveitado” pela justiça portuguesa para “dar combate à corrupção e criminalidade organizada, branqueamento de capitais, financiamento de terrorismo e outra criminalidade associada”.
A “justiça portuguesa tinha muitos destes dados que são públicos, designadamente desde a operação furacão. Poderia ter atuado e escolheu não atuar em consonância com o poder político, que foi absolutamente conivente com o saque organizado a Angola feito por Isabel dos Santos e outros elementos da cleptocracia angolana, designadamente Manuel Vicente”, ex-vice-presidente angolano”, concluiu ainda Ana Gomes.
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